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Notícias de Bonito MS

Últimas onças pantaneiras

Um Brasil com riquezas da Pré-História. Tudo tão selvagem como há dez mil anos. Uma serra intocada e um pantanal ameaçado. A aventura começou no território da rainha das nossas matas. Um avião com antena parabólica. A equipe do Globo Repórter acompanhou um pesquisador que estuda o comportamento das onças. O biólogo Fernando Azevedo vai atrás do maior predador das florestas brasileiras. E vai voando pela imensidão que é o pantanal.
A antena, instalada nas asas do avião, é capaz de localizar uma onça, onde quer que ela esteja. As pardas e as pintadas ? todas as onças da região de rios, lavouras e pastos ? são velhas conhecidas do biólogo. As onças são identificadas porque carregam coleiras com transmissores de rádio.

?Achei uma outra onça parda fêmea, que está sendo monitorada há um ano. È um animal que fica muito perto do Rio Miranda?, avisa o biólogo pelo rádio do avião.

Os instrumentos rastreiam todo o território. Mas como o biólogo das onças sabe distinguir o som, o esturro e o sexo dos animais?  
 
Os pesquisadores montaram dez armadilhas em uma área de 16 mil hectares, no Pantanal de Mato Grosso do Sul. Eles conhecem os passos, as características e os sintomas de cada um. Haja sangue frio nos preparativos para chegar perto do animal. Ele não pode errar na dose de sedativo.

Foram momentos de expectativa. A onça caiu na armadilha e o biólogo Fernando Azevedo fez a aproximação. Ele levou uma arma de ar comprimido e um dardo com anestésico para fazer a onça dormir. Mas até que ela dormisse, todo cuidado foi pouco.

O biólogo Fernando foi na frente e a equipe seguiu alguns metros atrás. Tanta precaução foi necessária porque a onça estava muito agitada dentro da jaula. Eles se aproximaram aos poucos. O pesquisador estava com a pistola do sedativo engatilhada e disparou.

Eles esperaram cinco minutos, cronometrados. Só então o cinegrafista José Henrique pôde chegar bem perto com a câmera. A onça já estava devidamente anestesiada para receber os cuidados do biólogo. Ela tinha um ferimento na cabeça.

?Esta é a Elisa, um animal que já foi recapturado algumas vezes. Elisa é a dona do território onde estamos?, diz o biólogo.  
 
E merece todo o respeito. Uma máscara foi usada para proteger os olhos e a parte ferida. Fernando colocou um spray para desinfetar os ferimentos e fez um check-up completo. A câmera estava a um palmo da onça. Um privilégio raríssimo! Este é o maior felino de todo o continente americano. É o que tem a mordida mais potente dos animais deste porte.

Antigamente, a onça-pintada existia nas três Américas ? desde o sudoeste dos Estados Unidos até o norte da Argentina. Hoje, só existem poucas no México. No Brasil, ainda encontramos onças no pantanal, no cerrado, na Amazônia, na Mata Atlântica e em algumas áreas do sertão nordestino.
 
?Esta onça é mais velha, tem os dentes amarelados e com tártaro. Deve ter mais de sete anos. O animal pode viver até 13, 14 anos?, revela o biólogo.
Até o peso da onça foi conferido no ambulatório improvisado no coração do pantanal.

"Deu 60 quilos", constatou o pesquisador.

Até que ela estava magra. Uma onça-pintada pode chegar a 110 quilos! E o macho, a 150 quilos.

Pesada e medicada, Elisa iria acordar. O biólogo Fernando e o assistente João refrescaram a paciente. Estava fazendo muito calor. O ideal seria levá-la para a sombra e esperar que ela despertasse.

"Vai demorar entre uma e duas horas para que ela possa se recuperar completamente e voltar para a floresta", diz o biólogo.

Aos poucos, Elisa foi recuperando os movimentos e começou a sentir o cheiro da equipe. O faro é a principal arma que ela tem para dominar o seu próprio território. Mas o território das onças se torna cada dia menor.

No ritmo em que os tratores avançam, preparando a terra para os grandes plantios de soja e arroz, são reduzidas as áreas de vegetação nativa, onde vivem os animais selvagens. Além da expansão da fronteira agrícola, os desmatamentos abrem espaço para os rebanhos de gado.

A convivência, nem sempre pacífica, entre as onças ? cada vez mais confinadas em seu ambiente natural ? e os bois espalhados pelo pasto, está sendo estudada por uma equipe de pesquisadores. O biólogo Fernando Azevedo comanda a equipe. A missão persegue um destino: o desenvolvimento do pantanal em harmonia com a natureza tão rica e tão vulnerável.  
 
O rebanho estava assustado. Os bois estavam agrupados, correndo sempre juntos. Eles sabiam que havia predadores por perto. Todos são vítimas se os homens, os animais racionais, não pensarem nas conseqüências da ocupação deste paraíso. A equipe chegou a um dos locais onde uma onça atacara recentemente.

?Ainda tem um pouco de sangue no chão. Ela arrastou a novilha para dentro do canal. Trinta metros à frente, puxou o animal de volta para o pasto e comeu no dia seguinte. Este é o terceiro animal que ela comeu aqui. São animais que têm entre oito e dez meses de idade. Estão aqui há praticamente dois meses e ficam em contato muito próximo com a floresta. No segundo dia que ela retornou, veio pela mesma vala, pegou a carniça e arrastou. Esta onça, em particular, fica de três a quatro dias com o animal. E o tipo de ataque também é diferente. Ela não fura o topo da cabeça, nem quebra o pescoço. Ela estraçalha o focinho da novilha, provocando morte por asfixia. Isso é típico de uma onça já adulta, mais velha, com problema nos dentes", explica o pesquisador.

O biólogo diz que a onça que comeu a novilha nunca fora capturada porque sempre foge pelo canal e não deixa pistas.
 
?O projeto já capturou todas as onças-pintadas, só falta esta fêmea. Estamos com dez onças-pintadas até o momento?, diz o biólogo.

Duas horas se passaram e Elisa, a onça que foi anestesiada, começou a voltar ao normal. Ela recuperou os sentidos de maior caçadora do pantanal.

"Assim que o efeito da anestesia passa, ela volta para o mesmo local onde foi capturada e continua a mesma rotina dela, provavelmente atrás dos dois filhotes. Vamos nos afastar para deixá-la se recuperando normalmente", anuncia o biólogo.

Elisa é o que se pode chamar de um exemplo de mãe. Ela se deixou capturar em busca de alimento no mesmo lugar onde já caiu na armadilha três vezes. Mas os filhotes sempre escapam. No fundo, ela já sabe que será solta de novo. E que as crias estarão esperando por ela em alguma toca, no meio da mata, pelo patrimônio da natureza que é o pantanal.

Aventura no ar

Fogo e água. No rio e no céu, uma expedição inédita. A equipe do Globo Repórter foi a primeira a desbravar a região de florestas e montanhas cortadas por cachoeiras e corredeiras na Serra da Bodoquena, em Mato Grosso do Sul. Eles navegaram e voaram.
O balão começou a ganhar forma, para espanto dos peões. Uma labareda de fogo aqueceu o ar dentro do balão. O calor o fez subir. O balonista acionou um maçarico a gás propano para inflar cada vez mais o balão.

?Acho que vai subir?, comenta o agricultor Juscelino Silva.

?Nunca havíamos visto um balão aqui?, conta agricultor Marcio de Holanda.

Foi o primeiro balão na serra. Mas o piloto Aquilino Gimenes é veterano, conhece bem os caprichos do vento.

?O lugar é bem estreito, mas acho que vai dar um bom vôo. Estamos na direção certa e o vento está ótimo?, diz ele.

Começou a surgir a beleza do vale encantado: o céu sem nuvens, o parque cheio de árvores, o rio transparente, todos os tons de verde e azul. O destino era o cânion do Parque Nacional da Bodoquena. O objetivo era passar sobre o rio, entre os paredões do cânion. Mas o vento os levou para outro lugar.
?Por isso eu digo que fazemos a navegação sempre ao som de valsa, nunca rock?, comenta o piloto do balão.

O vento teimou em mudar os planos e os levou até perto do paredão. Mas eles estavam seguindo em sentido contrário ao cânion, para dentro da floresta. O balão seguia sempre a direção do vento. Foi preciso procurar um lugar seguro para descer. Eles foram para cima das árvores e fizeram um pouso forçado, no meio do capinzal.

O resgate foi acionado pelo rádio e chegou meia hora depois. Foram necessárias seis horas para retirar o balão do local.
Com o balão remendado, eles voltaram a voar no dia seguinte. E finalmente tiveram o cânion à sua frente, com o Rio Salobra lá embaixo.

Um dos lugares mais bonitos do país, protegido por leis ambientais. O Parque Nacional da Bodoquena tem uma área de 76 mil hectares. O desfiladeiro segue o curso do rio. Os paredões chegam a 200 metros de altura. A área está inteiramente preservada. E o vôo foi inesquecível.

Enquanto o resgate não chegou, a equipe pediu a ajuda de seu Davi, um morador da região, para arrastar o balão até um lugar onde ele pudesse ser desmontado. A aventura virou notícia para muitos dias nas redondezas.

?Só tinha visto balão na televisão. Nós estávamos olhando de binóculos. Vimos quando ele desceu e resolvermos ir até lá?, comenta a agricultora Maria Marques.

"O gado corria pra lá e pra cá. Eu chamava e nada?, conta a agricultora Enid Lopes.

Desafio nas águas

A outra surpresa que o Parque Nacional da Bodoquena reservava ainda estava para vir nas águas transparentes do Rio Salobra, que não é navegável. Pela primeira vez foi feita uma tentativa de descer em caiaques para desvendar a beleza do rio, que nasce dentro do Parque Nacional da Bodoquena. A equipe foi acompanhada pelo diretor do parque. Adílio Miranda.
?Esse rio nasce logo depois da serra, dentro do parque. Várias nascentes se confluem e, logo após o nascimento, já bastante caudaloso, ele desaparece em um sumidouro, reaparecendo centenas de metros à frente?, explica o diretor do parque.

E quando eles menos esperavam, pedras e quedas d?água surgiram no caminho. Tão raso e tão selvagem, o rio que corta a mata e passa sobre as pedras, desafiou os "navegantes de primeira viagem".

Eles ficaram a maior parte da travessia arrastando os barcos pelas pedras ou pulando de caiaque nas pequenas cachoeiras. O Rio Salobra é imprevisível, cheio de curvas, com árvores caídas nas grandes enxurradas, sempre cercado pelos paredões de arenito.

Os peixes nadavam rápido ao lado do barco e nenhum sinal deixado por seres humanos. O caminho do Rio Salobra no grande cânion da Bodoquena ainda está intocado.

A equipe perdeu a conta das corredeiras por onde passou. Nos imensos paredões, um jardim da natureza, cheio de bromélias. Uma onça havia passado pelo local pouco antes, mas desaparecera pelos labirintos de pedra.

Depois de oito horas descendo o rio remando, só vendo mata e paredões de um lado e de outro, eles chegaram à Cachoeira da Boca da Onça, a maior do estado de Mato Grosso do Sul, com 156 metros de altura.

Todos ficaram com vontade de voltar para mais uma viagem no céu e no rio deste pedaço ainda virgem do Brasil.

Raridade das profundezas

Mergulhadores de cavernas se preparam para entrar em ação vestindo roupas especiais para um trabalho de pesquisa nos subterrâneos da Serra da Bodoquena. Foi a aventura da ciência em busca de novos segredos da natureza. Já foi comprovado que na região vivia o elefante brasileiro da Pré-História, o mastodonte. O animal era um pouco menor e muito mais forte do que os elefantes da África e da Ásia.
Outra descoberta da nossa ciência: o Brasil tem a maior fauna de peixes do mundo, entre 4 mil e 5 mil espécies de água doce e pelo menos 1,3 mil espécies marinhas. Grande parte dessa riqueza de nossas águas ainda é desconhecida. Daí, a missão destes mergulhadores, que foi acompanhada pela equipe do Globo Repórter.

E não foi à toa. O lugar escolhido parece um aquário gigante, uma vitrine de peixes de todos os tamanhos e cores. A mata inteiramente preservada na Serra da Bodoquena é o local da nascente do Rio Formoso. A água sai da pedra cristalina. Em uma caverna vive um peixe desconhecido, que não tem visão.

?A equipe vai procurar esse bicho a partir dos 25 metros de profundidade, onde ele começa a ser encontrado?, anuncia Edmundo Cosat Júnior, biólogo da Universidade de São Paulo (USP).

O biólogo Edmundo Costa Júnior foi quem achou o cascudo albino.

"Pelo menos até onde a ciência conhece esse peixe só existe nessas cavernas?, diz o biólogo.

Eles foram arás do cascudo albino. Logo depois da entrada da caverna, a equipe ficou na mais completa escuridão. Foi preciso recorrer à luz das lanternas. As fendas por onde passaram eram muito estreitas. A previsão era descer a até metros de profundidade. Mas os pesquisadores encontraram o cascudo albino logo aos 20 metros.

Lá estava ele, o raríssimo peixe albino, que só existe nas cavernas da nascente do Rio Formoso. O peixe não é grande. Com a luz, se torna cor-de-rosa. É completamente cego. Quando a câmera aproximou, foi possível perceber que ele não tem olhos. Vive exclusivamente na escuridão das cavernas. Só agora o cascudo albino está sendo estudado pela ciência.
O Rio da Prata é um aquário natural, o paraíso das piraputangas, piaus, dourados, corimbas, pacus, peixes de todas as espécies. Em uma área ainda selvagem do rio, a câmera passou pelos galhos submersos e fez uma grande descoberta. O primeiro contato foi assustador.

Na margem do Rio da Prata foi encontrada uma sucuri, com cerca de cinco metros de comprimento. Ela estava lenta porque comera um animal e a parte central do corpo estava muito dilatada, dificultando a locomoção por dentro d?água.

A serpente nadou ao lado do barco. Seu corpo dourado brilhava com os raios de sol. A sucuri é a anaconda brasileira, a maior cobra dos nossos rios e florestas. Ela chega a medir 12 metros.

A sucuri não conseguia mergulhar porque ainda não tinha digerido o animal que comera, provavelmente, um porco selvagem. Por isso, estava nadando com dificuldade e se refugiou mais uma vez na beira do rio.

A câmera chegou bem perto da sucuri. Ela estava enroscada em um tronco de árvore, onde se sentiu mais protegida. A equipe do Globo Repórter acreditou que a cobra não ia atacar porque estava bem alimentada e aproximou ainda mais a câmera. Ela quase tocou na lente com a língua. Nunca uma sucuri fora vista tão de perto. Mas eles a deixaram em paz, no leito do rio, que é a sua casa.
"É uma janela de absoluta visualização, de um contato íntimo. São raros os locais da natureza que anda restam para que as pessoas possam ter um contato tão sincero e profundo com a natureza de forma recíproca, pois os bichos também não sentem medo, eles chegam bem perto", diz o biólogo José Sabino, professor da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e Região do Pantanal (Uniderp).

O entusiasmo do pesquisador é do tamanho da curiosidade. O professor José Sabino é um descobridor dos tesouros destes rios tão cheios de vida.

"Em geral, os peixes têm orientação regida pela visão durante o dia. À noite, eles se guiam principalmente pelos barbilhões, um tipo de bigode, e pelo sentido do tato. Eles tateiam o fundo do rio e sentem quimicamente o ambiente, percebendo-o por gosto e cheiro. Algumas espécies aproveitam a escuridão para se alimentar. Os predadores aproveitam a desorientação dos peixes diurnos. Um peixe do dia começa a se desorientar com o lusco fusco e um peixe noturno aproveita a situação para atacá-lo. A pouca luminosidade favorece o momento de ataque do peixe noturno", explica o biólogo.

Experiências em um laboratório vivo! Os pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) usaram descarga elétrica para recolher amostras de peixes. Roupas de borracha evitaram o choque. A descarga elétrica não é muito forte e deixa os peixes apenas atordoados. Eles são recolhidos por redes.
"Com esta técnica de coleta, conseguimos fazer uma amostragem boa da faunda de peixes que existem no lugar. O peixe fica tonto com o choque, bóia e a gente captura alguns. Os peixes que a gente não captura não morrem, eles se recuperam depois", esclarece o biólogo Ricardo Corrêa e Castro, da USP.

A captura dos peixes é necessária para a ciência, faz parte da descoberta do mundo submerso. É preciso conhecer para proteger.

"Quando se fala de peixe, a maior parte das pessoas pensa em dourado, jaú, corimba, pintado, peixes grandes. Porém, a gente estima que mais da metade da diversidade de peixes da fauna de água doce da América do Sul é de peixes pequenos, como lambaris, bagres, cascudinhos", acrescenta o biólogo.

Se os peixes pequenos têm imenso valor, imaginem os mamíferos gigantes. Na Serra da Bodoquena vivia o nosso elefante pré-histórico, o mastodonte. As ossadas foram retiradas da caverna a uns 50 metros de profundidade. Os fósseis dos animais pré-históricos retirados pelos pesquisadores na região estão agora no Museu Nacional do Rio de Janeiro.
A partir dos ossos, utilizando recursos de computação gráfica, foram criados o que seria o animal pré-histórico brasileiro.

"Ele tem diferenças marcantes se comparado aos elefantes africano e asiático. Apesar de ser um elefante mais baixo, é muito mais robusto. Um adulto pesava me torno de quatro toneladas e podia atingir quase cinco metros de comprimento. Ele era mais comprido do que alto. Nosso elefante do cerrado brasileiro era um bicho atarracado e forte?, revela o paleontólogo Leandro Salles, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Dez mil anos se passaram. Do nosso mastodonte, só restaram os ossos. Mas os peixes ainda estão vivos. E só dependem das pesquisas e dos cuidados de todos nós.

Preservar é viver

Se depender das famílias de animais, a Serra da Bodoquena será sempre uma ilha ? ou melhor, um pantanal ? de paz e tranqüilidade. Tempo de reprodução, vida nova. A perpetuação das espécies agora depende da responsabilidade humana. Ainda bem que o patrimônio natural brasileiro conquista cada vez mais aliados. Pesquisadores trabalham dia e noite, correndo risco, mas com dedicação. Estagiárias se concentram, tentando descobrir a dieta da onça. O que ela come? É exatamente todo o material que elas pesquisam no laboratório. O trabalho enobrece as jovens biólogas e os veteranos mestres.

?Há dez anos, o Rio Perdido tinha até quatro metros de água. Hoje restam apenas cerca de 40 centímetros. Toda a areia vista no meio do rio praticamente veio dos pastos que foram mal construídos na região. Cuidados pequenos como a construção de curvas de nível teriam resolvido o problema, que praticamente matou o rio. Nós não encontramos mais peixes nesse rio, que já foi muito rico no passado e agora se encontra praticamente morto. Dourados, piraputangas, pacus e corimbatás desapareceram do rio?, denuncia o biólogo José Sabino, professor da Universidade para o Desenvolvimento do estado e da Região do Pantanal (Uniderp)

Quem sabe se preocupa.

"Nem tudo são flores. Estamos verificando licença de construção e embargando quando é necessário, impedindo que este processo continue", afirma o chefe do Parque Nacional da Serra da Bodoquena, Adílio Miranda

O processo é responsável. Cabe a todo o mundo proteger o pantanal ? não depende só dos cientistas, nem da Elisa, a onça-pintada que se deixa prender, mas poupa os filhotes. A vida dos animais selvagens precisa ser preservada.

Equipe

Edição: Meg Cunha
Reportagem: Francisco José
Produção: Ana Dorneles
Edição de Imagens: Gisele Machado
Imagens: José Henrique
Imagens Subaquáticas: Juca Ygarapé
Técnico: Adriano Moraes

El Pantanal se puede combinar con Bonito, un destino consolidado del joven estado de Mato Grosso do Sul, siempre en el marco del turismo ecológico. Se trata de una villa de 17 mil habitantes permanentes, con una amplia propuesta hotelera y con posadas para más de 4 mil visitantes, todas de buen nivel.

Bonito está rodeado de múltiples opciones para involucrarse con la naturaleza. Cavernas, cascadas, ríos de aguas cristalinas y mucho deporte de aventura. A 1.200 kilómetros de San Pablo, Bonito es sinónimo de agua y vegetación exuberante.

Todos los paseos en Bonito deben ser contratados previamente a través de un organismo mixto donde se asocian el estado y los privados, que centraliza y regula la actividad turística. No es bueno pisotear espacios naturales tan bellos de un modo indiscriminado, sin regulación. Y en eso, Brasil la tiene clara.

A 32 kilómetros de la villa se puede navegar por el río Formoso, una especie de Carcarañá con menos curvas. Son 7 kilómetros sobre botes tipo gomones, a remo, donde en las márgenes se aprecia la fuerza demoledora de la vegetación y la fauna. Incluida la mítica Onça pintada (un felino tipo leopardo) que se muestra poco, pero se sabe que está. Promueve innumerables relatos y su sola mención atemoriza. No faltan, por supuesto, unos cinco saltos de unos 3 metros a lo largo del recorrido, que elevan la adrenalina. El paseo termina con toda la tripulación empapada, pero sonriente. Bonito además ofrece la posibilidad de bucear en aguas dulces y transparentes y disfrutar de una fascinante fauna acuática, ahí, al alcance de la mano. Y también hay una opción de entretenimiento para acelerar las pulsaciones: el arborismo, en Ybirá Pe. Se trata de un circuito aéreo con cables de acero donde el cuerpo literalmente vuela por encima de los árboles a una altura de hasta 20 metros del suelo. Desde allí arriba, cuando pasa un poco el miedo y se toma confianza con el arnés que soporta el cuerpo suspendido, el visitante se anima a mirar hacia abajo, y tal vez pueda disfrutar su instante mágico de hombre-pájaro.

Al regreso de un día intenso, en Bonito sobresale la posada Olho dAgua. Un verdadero paraíso en armonía con la naturaleza y con todo el confort. No falta la gastronomía de alto nivel, y sobre todo, mucha paz ambiental. El trato brasileño para con los argentinos, se sabe, es una virtud ampliamente probada.

Folha OnLine - Gilberto Dimenstein

Peregrinar por Bonito (MS) é ir ao encontro da natureza em seu estado bruto. Nos mais de 30 passeios catalogados pelo Conselho Municipal de Turismo (Comtur), as interferências do homem se resumem à abertura de trilhas na mata e à construção de mirantes, deques para botes ou mergulho e plataformas para prática de rapel.

Com o objetivo de verificar as condições de acessibilidade para deficientes físicos e despertar a atenção dos empresários locais para um mercado estimado em 25 milhões de consumidores, a artista plástica Adriana Braun e o servidor público Edson Passafaro passaram sete dias em Bonito. Presidente da ONG Acessível e integrante dos projetos Brasil Adentro e Cadeirantes (que percorreram os principais pólos de ecoturismo do país), Adriana Braun foi chamada pela FreeWay Adventures para conduzir os roteiros para deficientes da operadora. Edson é secretário-executivo da Comissão Permanente de Acessibilidade da prefeitura de São Paulo e consultor para o assunto do Ministério das Cidades.

Durante três dias, Zero Hora acompanhou a incursão da dupla por Bonito. A primeira visita é à Fazenda Água Viva, um passeio popularmente conhecido como Cachoeira do Rio do Peixe. Situada a 35 quilômetros da cidade, o lugar é considerado um dos mais belos do município.

A recepção fica por conta de macacos-prego. Às dezenas, eles descem das árvores atraídos pelos nacos de banana oferecidos por Moacir Barbosa de Deus, dono dos 300 hectares de campo. No alpendre, os anfitriões são tucanos e araras, desde a arara-azul, ameaçada de extinção, às de penugem vermelha ou verde. Dali, o passeio segue por 400 metros mata adentro. Adriana faz o percurso carregada numa liteira desenvolvida para o transporte de deficientes.

Impulsionado pela própria tração manual, Edson prefere cruzar de cadeira de rodas a vegetação da Serra da Bodoquena. Pelo caminho, a água represada em degraus do solo transforma a correnteza do Rio do Peixe numa banheira de hidromassagem. Seguindo pela esquerda, chega-se a uma piscina natural abastecida por uma cachoeira de três metros de altura. Pela direita, uma cabo aéreo estendido sobre o leito do Rio Olaria é um convite ao banho. Passafaro pede ajuda e, depois de alguns segundos deslizando em pé sobre a água, solta as mãos e mergulha.

"O legal é a sensação de ficar esticado, em pé. Nunca tenho essa sensação", revela Passafaro, ao voltar para a cadeira de rodas.

Fábio Schaffner viajou a convite da FreeWay Adventures, da Gol Transportes Aéreos e do Wetega Hotel.

FÁBIO SCHAFFNER
do Zero Hora

"Antônio", um dos muitos peões da fazenda, cumpria sua rotina: acordou cedo, encarou o sol forte, juntou os cachorros e saiu pra caçar. Naquela época, não existia em Bonito a conveniência de açougues, muito menos especializados em carne de caça, e as refeições eram garantidas pela captura de um veado, paca, capivara ou qualquer outro bicho que estivesse pelas redondezas quando os cães saíssem com a missão de correr atrás do almoço do dia. Mas, naquela manhã, aconteceu algo inusitado: não havia nenhum bicho aonde os cachorros levaram Antônio. Existia só um buraco no chão: era evidente que o almoço tinha ido ribanceira abaixo. A curiosidade (sempre ela) fez Antônio dar uma espiadinha na abertura na terra que, mesmo trabalhando há três anos naquela fazenda, não conhecia. E não é que o negócio era bonito?!

E assim, por acaso, no verão de 1976, foi descoberta a atração natural mais espetacular de Bonito: o Abismo Anhumas. Na verdade, não se sabe o nome do peão. O que se sabe é que essa descoberta foi o início da trajetória bem-sucedida do destino ecoturístico preferido dos leitores de Viagem e Turismo.

Tal qual o Anhumas, a maioria das cachoeiras, dos rios e seus peixes imensos e tranqüilos, das trilhas no meio da mata, dos tucanos e araras de Bonito fica em propriedades particulares. À primeira vista, isso parece ruim: "E se os fazendeiros resolverem transformar toda esta maravilha em pasto?" É aqui que começa a grande diferença entre esse e os outros destinos de ecoturismo do Brasil: os projetos ecológicos trazem muito mais dinheiro do que as atividades predatórias ou os rebanhos. Por quê? Fácil: é muito mais barato montar uma infra-estrutura básica (receptivo para os turistas, restaurante, banheiros) e aproveitar as belezas que a natureza colocou dentro da sua fazenda, do que manter uma equipe para cuidar do gado, arcar com custos de vacina etc. O interesse pela implementação de um ecoturismo sério e estruturado começou pelo bolso e terminou criando algo de valor inestimável: a consciência de que, preservando a natureza, ganhamos muito mais do que acabando com ela.

Só mais um pouquinho...

O aeroporto de Campo Grande, MS, é a parada obrigatória de quem vai para a região da Serra da Bodoquena. Há tempos está prometido um aeroporto em Bonito, daqueles exclusivos para voôs fretados (como existe em Lençóis, na Bahia, e em Barreirinhas, no Maranhão). As pistas já estão prontas, mas ninguém sabe quando o restante será construído. Enquanto isso, o único meio de transporte entre Campo Grande e Bonito é o velho e bom automóvel. Os 300 quilômetros que separam as duas cidades parecem eternos, mas nem são tão massacrantes quando se está dentro de uma espaçosa van com ar-condicionado poderoso. Os intermináveis pastos se estendem por todo o caminho. A terra vermelha se acumula nos vidros. Bonito parece não chegar nunca. Mas chega. Geralmente no final do dia, depois de algumas horas de vôo, outras de estrada, mas chega. E será no dia seguinte, depois da primeira noite silenciosa e do primeiro café da manhã das suas férias, que você vai começar a descobrir por que a cidade tem o nome que tem.

Assim, não!

Quando me viu olhar, abismada, os pilares do hall de entrada no hotel imensas aroeiras centenárias , o funcionário do Wetega Hotel (lê-se "ueterrá"), um dos mais modernos e chiques de Bonito, fez questão de dizer: "Estas árvores têm mais de cinco séculos". Seria mais correto dizer que elas tinham quinhentos anos...
A informação soou meio surreal aos meus ouvidos: como alguém, ainda mais em Bonito, pode se gabar disso? "Ah, mas foi tudo autorizado pelo Ibama." Tudo bem, mas não muda o fato de que a escolha decorativa dos proprietários foi sofrível.

...e cá estamos nós!

Sem tirar o mérito ou acabar com o charme, Bonito não se chama assim porque é bonita. O nome vem da antiga fazenda, a maior da região, que se chamava "Rincão Bonito". Acabou-se o latifúndio, ficou a alcunha. Uma vez esclarecida a nomenclatura, vamos ao que interessa: Bonito é mesmo maravilhoso? É. Comecei a perceber isso no meu primeiro passeio, às 8h da manhã de um domingo, na Gruta do Lazo Azul. E olha que é difícil achar algo lindo às 8h da manhã, muito menos num domingo.

A luz entrava tímida por uma das fendas da rocha. Nós seguíamos os passos e a voz do guia e ficávamos boquiabertos com as dimensões da caverna, as estalactites, a sensação de frescor e umidade. A cada metro que descíamos na trilha, a cor do lago era alterada pelo ângulo do raio de sol: ia de verde a azul intenso, quase anil. Aqui cabe uma interferência, nada romântica, mas em prol da verdade: a água não é azul. Se você pegasse um copo de água no meio do lago (não faça isso porque é proibido entrar, viu?), ela seria transparente. A cor que se vê é causada pela soma de dois fatores: por ser rica em calcário, que tem a característica de refratar a luz em tons de azul, e pela ilusão de ótica que o sol, ao bater dentro da caverna, causa. Quem disse que esse dado altera a beleza do lugar? De forma alguma! A Gruta Azul merece mesmo ser um dos cartões-postais mais conhecidos de Bonito.

Beleza socializada

Bonito leva toda a fama pelo estonteante cenário natural, mas justiça tem de ser feita: não é só nessa cidade que se encontram as paisagens maravilhosas que você vê nestas páginas. Ela fica numa região chamada Serra da Bodoquena, que inclui os municípios de Jardim, Porto Murtinho e Bodoquena. Essa dita serra, que, na verdade, é um planalto, foi formada há cerca de 550 milhões de anos, quando o planeta sofreu um grande movimento nas camadas internas da Terra, que se reorganizaram. Essa movimentação foi a responsável pela formação das dezenas de cavernas, erosões e cachoeiras que fazem, até hoje, a diversão de milhares de turistas.

A Cachoeira do Aquidaban é um ótimo exemplo disso: são 120 metros de queda, uma das mais altas da região, de onde se pode avistar toda a Serra da Bodoquena e ter uma noção da grandeza de sua área de 300 quilômetros de extensão por 60 quilômetros de largura.Ficou curioso pra saber o que NÃO fica em Bonito? O Boca da Onça Ecotour, o Rio do Peixe e a citada Cachoeira do Aquidaban, por exemplo, são em Bodoquena. A Estância Ecológica Rio da Prata, em Jardim. Mas não se preocupe, porque por lá eles não dão a mínima importância a essa questão de nomenclatura: o que importa mesmo é fazer você se sentir em casa, seja em qual cidade for.

JOSÉ MANUEL BARROSO

Fica no interior, no estado do Mato Grosso do Sul, entre o estado de S. Paulo e o Paraguai, e é a parte sul (a mais bela, a meu ver) do Pantanal. Bonito é também o nome da cidade, uma pequena, animada e simpática cidade, que se não distingue por uma particular beleza. Mas em volta, gente, quanto lugar bonito, quanta aventura possível, quanto rio e cachoeira (cascata) de águas como vidro, aves de cores contrastantes como pinturas, bichos do mato como o jacaré ou o tamanduá. Jacaré que flutua, por vezes, nos rios de Bonito dando repouso a borboletas gigantes de asas cor de fogo.

Bonito é uma das mais admiráveis região de turismo ecológico do Brasil. Do Brasil que os portugueses estão descobrindo como excelente (e barato) destino turístico - mas que não é só praia, não.

Vale a pena conhecer a região, mesmo antes de lá ir. Para isso, pode usar o Portal Bonito (www.portalbonito.com.br), uma excelente montra. Tem lá tudo, para primeiro contacto: como chegar; a cidade, mapas, fotos e eventos; turismo possível (aventura, expedição, passeios, videos; dicas de viagem (tudo o que é importante para quem vai); guia de agências, transportes, hotéis e pousadas, reservas, compras, gastronomia, onde curtir; gastronomia, folclore e artesanato. E mais.

Em qualquer época do ano se pode visitar Bonito. Mas, diz quem sabe, o ideal é entre os meses de Dezembro e Março. Na época das chuvas, «quando a vegetação está verde, os animais aparecem, pois têm alimento de sobra, o nível dos rios está alto e as cachoeiras estão caudalosas». Os preços são diferentes, consoante se está em alta ou baixa temporada. De Dezembro a Março, são mais elevados, é período de férias no Brasil. Mas não esqueça que preços altos, para brasileiro, é bem diferente para o cidadão que tem euros no bolso.

A permanência mínima ideal é de quatro dias, para que possa desfrutar de passeios e actividades variadas, Na alta temporada, convém agendar reservas e passeios com antecedência. No Portal Bonito tem informação de sobra sobre preços, de hotéis e de passeios. Verá que são muito em conta, para dinheiro europeu. Os passeios são feitos com guia diplomado, a aventura é apenas física e espiritual, não há problemas de segurança.

Experimente a via internet para adivinhar como é. Experimente ir. Depois diga se não foi um regalo, para quem gosta de turismo ecológico. Se naõ gostou de se banhar nas águas dos rios de Bonito, de deslizar em bóia nas cachoeiras do rio Formosinho, da gruta do lago Azul, do passeio numa fazenda, da culinária sertaneja. E da simpatia dos brasileiros.

A FICHA

Bonito

Localização. Cidade a 330 km de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, Brasil

Info. Agências. Portal Bonito (www.portalbonito.com.br)

No mundo inteiro, a forma de turismo que mais cresce é a ecológica. E no Brasil, ele tem revelado tesouros.

Descidas geladas, subidas de suar. Retrato do inferno? Não. Álbum de férias.

Botas surradas, mochila e cantil. Ecoturista não embarca no óbvio, faz o próprio mapa.

Ecoturismo é trilha sem fim. Passa numa Amazônia inundada de surpresas: 80 cachoeiras a 100 quilômetros de Manaus.

Praias salgadas ou doces, à sua escolha, em Marajó. Cânions imponentes na Serra Gaúcha. Belezas de um nordeste longe da praia - incrustadas nas rochas da Chapada Diamantina.

Um paraíso, naturalmente lindo, bem preservado, maravilhoso, chamar de bonito é até pouco, mas é o nome do lugar. Bonito, é uma espécie de capital nacional do ecoturismo, no Mato Grosso do Sul. Um lugar que só foi descoberto pelos turistas há pouco mais de 10 anos, mas já virou ponto de referência e bom exemplo de utilização responsável e sustentável daquilo que a natureza deu.

De tão bonito, todo mundo queria ver.

"Vieram primeiro os parentes, os amigos. Todo mundo gostando e trazendo mais", conta o fazendeiro Geraldo Majella Pinheiro.

Começaram a cobrar. Acabaram transformando a velha sede da fazenda em centro de visitantes. Agora, um século de pecuária convive com turistas em roupas de borracha. Um terço do faturamento já vem destes estranhos com suas estranhas montarias.

As inglesas fugiram do asfalto para descobrir: não é só Copacabana e Ipanema. O Brasil tem muito mais a oferecer.

Nesse rastro, vieram a Bonito dez mil estrangeiros - só no ano passado. E 200 mil brasileiros. Uma multidão em busca das cavernas belíssimas, das águas transparentes, de cachoeiras e aventuras. Com o ecoturismo, a economia decolou.

Dez anos atrás, sete pousadas. Agora, 77 opções de hospedagem. Podia ser um desastre: receber uma invasão anual de 12 vezes a população do município inteiro. Mas o pessoal fez bonito:

"Fazendo um comparativo da viagem que nós viemos em 95 e hoje, acho que evoluiu bastante. Acho que os lugares estão bem cuidados", afirma um turista do Rio Grande do Sul.

O olho do pecuarista engorda o turismo: 90% das 37 atrações da região estão em fazendas. Mesmo assim, turista só entra com guia credenciado e autorização oficial.

Os vouchers, controlados pela prefeitura, limitam as visitas. A Gruta Azul, por exemplo, só abre para 305 pessoas por dia.

"Reverte em benefício do município na questão da arrecadação e no meio ambiente na questão da conservação", ensina Aldenir Martins, guia e secretário de turismo de Bonito.

Não por acaso, o atual secretário de turismo é guia - o cargo sempre é de alguém eleito pelo setor.

Hoje, um em cada três moradores da cidade trabalha com ecoturismo. Metade dos alunos da única faculdade estuda turismo. Um aeroporto em construção mostra que a cidade entrou na rota do ecoturismo. Mas quem pousar aqui vai encontrar o mesmo cuidado.

"Nós nos acostumamos desde cedo que, para crescer de forma sustentada e organizada, nós precisávamos criar regras bastante rígidas, pra não depredar o meio ambiente, que é nossa riqueza maior", avisa Henrique Ruas, dono de uma pousada.

Um tesouro que os bonitenses aceitam dividir, desde que as visitas o mantenham como é: mais que bonito.

ANA CAROLINA SACOMAN

BONITO - Longa, a viagem de 278 quilômetros entre Campo Grande e Bonito parece ter um único propósito: elevar a níveis industriais a ansiedade de quem sabe que está a dois passos do paraíso. A cidade, que ganhou o nome-adjetivo por acaso - era a mesma denominação de uma fazenda daquelas bandas -, parece incansável na arte de surpreender.

Na chegada a Bonito, a expectativa ganha doses de apreensão. Numa rápida olhada, apenas ruazinhas tímidas e uma via principal compõem o campo de visão. A inevitável pergunta martela na cabeça: mas onde estão todas as divulgadas maravilhas naturais? Bem, em poucos lugares a máxima "a pressa é inimiga da perfeição" tem tanto sentido.

Nada de avaliar a cidade, com seus pouco mais de 16 mil habitantes, pela primeira impressão. Se o perímetro urbano tem pouco a oferecer, a área rural beira o deslumbre. A dica, então, é partir, sem perda de tempo, para um dos 34 atrativos turísticos catalogados pelo Fundo Brasileiro para Biodiversidade (Funbio). Todos a pelo menos 10 quilômetros do centro e alcançáveis por estradas com trechos de terra. Nada, porém, que desanime.

  

Sem medo de ser feliz - Priorizar um destino pode ser uma tarefa para lá de árdua, principalmente se o tempo for curto. Uma idéia é diversificar os tipos de tour e incluir um passeio radical e uma ida às cachoeiras. Mas, em hipótese alguma, deixe de lado as duas atrações que fizeram a fama da pequena cidade sul-mato-grossense: a visita a grutas e cavernas e a flutuação pelos límpidos rios locais.

No primeiro quesito inclua, sem medo de ser feliz, a obrigatória Gruta do Lago Azul, a cerca de 20 quilômetros do centro da cidade e destino de 98% dos visitantes que passam por Bonito. Na hora de encarar as águas mais do que transparentes, siga para o Parque Ecológico Baía Bonita que, com seu surpreendente aquário natural, conquista desde o primeiro minuto de mergulho.

É sempre bom lembrar - ou avisar, para quem não sabe - que os passeios são controlados, o número de visitantes restrito e os preços dos tours tabelados. As propriedades em que estão os atrativos são particulares e, na alta temporada, a reserva antecipada é imprescindível. Tudo em nome da preservação deste patrimônio natural - o que, por enquanto, tem dado resultados.

Nem adianta, portanto, pensar em seguir para lá de mãos abanando. O melhor é agendar, antes da viagem, todos os passeios desejados, sob pena de ficar num hotel o dia todo sem nada para fazer. Na Ygarapé Tours ( 0--67-255-1733; www.ygarape.com.br), há pelo menos 25 opções - dos mais tranqüilos aos radicalíssimos.

Aeroporto - Até o começo de outubro, para horror dos preservacionistas, deverá ser inaugurado o aeroporto da cidade. A idéia é que apenas aeronaves de pequeno porte aterrissem por lá. "Nunca deram atenção para isso aqui; a proposta é continuar preservando, sempre tendo em vista a preocupação ambiental", diz o governador do Mato Grosso do Sul, José Orcírio Miranda dos Santos, o Zeca do PT.

Com certeza, a ida até Bonito ficará bem mais prática e rápida. Mas, sem dúvida, perderá o suspense e a ansiedade partilhados secretamente entre os turistas durante as três horas e meia de estrada desde Campo Grande.

Taboa vira estrela quando a noite cai

BONITO - Verdade que a vida em Bonito se resume quase que exclusivamente ao dia. Há até alguns passeios, como o de bote de borracha no Rio Formoso, que podem ser feitos durante a noite, porém, a maioria obedece à luz do sol. Mas nem tudo está perdido para os "baladeiros". À noite, o "quente" da cidade atende pelo nome de Taboa - o bar e a cachaça.

Simpático, o lugar mistura doses de rusticidade e sofisticação e costuma ficar abarrotado na alta temporada, quando a entrada sai a R$ 15,00, sem consumação. E vale a pena. A estrutura do prédio foi montada com materiais da região, como bambu e palha de sapé, num clima meio cidade, meio praia (!). Nos fundos, há uma pequena pista de dança, com música ao vivo nos fins de semana. Todos os que passam por lá deixam alguma impressão rabiscada nas paredes, no melhor estilo do Bodeguita del Medio, o famoso bar de Havana, em Cuba.

A estrela, porém, é a Taboa, cachaça fabricada artesanalmente, com uma receita secreta, mistura que leva, entre outros ingredientes, guaraná em pó, ervas, mel e canela. E, detalhe: a bebida é servida gelada. É um resultado bem interessante e suave. "Inventei essa mistura há oito anos, quando abri o bar e virou um sucesso", conta a proprietária das Taboas, Andréa Braga Fontoura. "Eu mesma preparo a receita, que não foi modificada ao longo dos anos. É o meu lazer."

Apesar de a Taboa ser vendida (R$ 15,00 a garrafinha de 350 ml) em qualquer lojinha da cidade, a dose é servida somente no Taboa. Custa R$ 2,50. No bar, a pinga ganha outras combinações, com frutas por exemplo, num total de 20 drinques.

Boa causa - A cachaça, definitivamente, virou uma mania e também uma boa lembrança de Bonito. É difícil resistir e não levar para casa pelo menos um exemplar da pinguinha adocicada.

Nas lojas, a garrafinha ganha uma embalagem de palha - material também chamado Taboa. O interessante é que esse trabalho é executado por meninos e senhoras carentes da comunidade. Eles recebem R$ 1,10 por garrafa embalada.

"Tinha de inventar algo para que as pessoas participassem do meu trabalho, das minhas conquistas", diz Andréa. Se for por uma boa causa, então, o segredo é pegar leve na dose e levar para casa uma lembrancinha para o pai, a tia, o avô, aquele amigo que adora uma "marvada"... (A.C.S.)

Indígenas modela utensílios com estilo

BONITO - Quem não resiste em rechear a mala de lembranças, pode abrir um grande sorriso. Em Bonito, esqueça as camisetas, os ímãs de geladeira e as canetas de sempre. O melhor de lá é o artesanato produzido pelos povos indígenas da região. De encher os olhos e baratíssimo.

São três as principais tribos que comercializam suas peças: os kadiwéu, os kinikinao e os terena. O artesanato dos dois primeiros povos guarda muitas semelhanças. Explica-se: no passado, os kadiwéu, conhecidos como "índios cavaleiros" e temidos pela belicosidade, dominaram os ancestrais dos kinikinao. Hoje, eles vivem numa mesma reserva, a São João, no norte do município de Porto Murtinho.

Estima-se em 1.500 os remanescentes kadiwéu - muitos moram na região da Serra da Bodoquena, a poucos quilômetros de Bonito. Esses índios lutaram ao lado do Brasil na Guerra do Paraguai (1864- 1870) e, por isso, receberam essas terras do governo.

Somente as mulheres produzem a cerâmica, que é decorada por um padrão fixo e facilmente identificável. Parece um mosaico preenchido com cores fortes e variadas. As pinturas dos desenhos são feitas com tintas naturais, geralmente extraídas de areias de variados tons.

Uma delicadeza do trabalho desses índios são os detalhes brilhantes nas peças. Isso é conseguido com a utilização de resina de árvores. As índias fazem, na maioria, utensílios, como vasos de diversos tamanhos e formatos, pratos, enfeites de parede e também jarros.

Sutilezas - Os kinikinao - estima-se que existam apenas 60 índios dessa tribo em todo o Estado e não muito mais que isso no resto do País - seguem, digamos, a mesma tendência artística dos kadiwéu. As peças de cerâmica trazem desenhos geométricos e as índias também utilizam tintas naturais para a pintura. A diferença chega a ser sutil: as tonalidades usadas na coloração são puxadas para os tons pastéis.

Bem diferente dos anteriores é a arte dos terena - estudos apontam que há 15 mil pessoas pertencentes a essa tribo no Brasil, espalhadas por Mato Grosso do Sul e São Paulo. Eles não costumam fabricar utensílios, preferindo objetos de decoração - representando animais, na maioria.

A cerâmica tem uma tonalidade mais escura, mas não leva pintura e é de uma simplicidade desconcertante. Todas as peças são bem graciosas e o dilema reside no que escolher para decorar a casa. A vontade, na verdade, é levar todas as peças.

Diversidade - Na loja Berô Can (Rua Coronel Pilad Rebuá, 1845; 0--67-255-2294), uma das mais charmosas de Bonito, há artesanato indígena de todo o País, mas o destaque fica mesmo para as tribos locais e para os kadiwéu em especial. Os preços vão de R$ 3,00 a R$ 75,00 - um vaso kadiwéu de um metro de altura.

Uma travessa kinikinao sai entre R$ 26,00 e R$ 35,00 e uma moringa terena (um dos poucos utensílios feitos por este povo) custa R$ 35,00 em média. A cerâmica é encontrada à venda também em barraquinhas dos próprios indígenas. As peças costumam ser mais baratas e mal acabadas. (A.C.S.)

Raio de sol tinge gruta de azul

BONITO ? Se o tempo ajudar, o espetáculo é nada menos do que monumental. As belas formações com idade estimada em 500 milhões de anos da Gruta do Lago Azul ganham contornos quase fantasmagóricos num brilho de sol. A delicadeza, porém, não é testemunhada pela maioria dos visitantes. Afinal, o sutil, mas arrebatador show da natureza tem vez apenas entre os meses de dezembro e janeiro, de manhãzinha ? e dura pouquíssimas horas, duas, no máximo.

É quando o sol incide diretamente no lago que dá nome à gruta e realça o inacreditável azul de suas águas. Bom, na verdade, não é para acreditar naquela coloração mesmo. As águas, claro, são transparentes, mas uma ilusão de ótica as deixa numa tonalidade inesquecível.

Mesmo sem esse privilégio, o passeio fica por muito tempo na memória. Durante os exatos 320 degraus de descida na caverna ? ou 100 metros ?, o guia leva os visitantes a uma espécie de alucinação coletiva. Explica-se: as muitas estalactites (formações rochosas que saem do teto em direção ao chão) e estalagmites (formações do chão ao teto) criam curiosos desenhos. É só deixar a imaginação voar.

Controle ? O passeio até a gruta ? tombada pelo Patrimônio da União em 1978 ? leva mais ou menos duas horas e são permitidos, no máximo, 15 visitantes de cada vez. E nem pensar em encostar numa das paredes, tentar entrar com objetos como tripé e sequer falar alto. É bronca na certa. Há ainda outra restrição: ninguém chega até o lago ? nem para molhar os pés ?, ao contrário de poucos anos atrás, quando era permitido até mergulhar por lá.

?Me impressionou o rigor e controle no turismo. Nunca vi algo assim?, diz o escritor e jornalista Zuenir Ventura, que passou por Bonito no mês passado. ?Mas tem de ter controle mesmo. Para quem gosta de ecologia e natureza, não tem lugar mais bonito.?

No fundo do Lago Azul, contam os guias, estão os fósseis de um bicho-preguiça e de um tigre. Segundo eles, os animais foram encontrados um ao lado do outro ? o que, dizem, mostra que caíram no lago durante uma luta há muitos e muitos anos. Também nas profundidades vive um tipo de camarão, albino e cego, encontrado somente por lá.

Para chegar até a gruta, a 20 quilômetros do centro da cidade, é necessário carro particular. O passeio, que também deve ser agendado, custa R$ 10,00 por pessoa ? não é permitida a entrada de crianças com menos de 5 anos.

Levitação ? Das formações rochosas diretamente para a água. A pedida é a flutuação no aquário natural do Rio Baía Bonita, a 8 quilômetros de Bonito, e que atrai aproximadamente 30 mil visitantes todos os anos. Munido de snorkel, roupa de neoprene ? imprescindível, principalmente nos meses mais frios ?, sandálias de plástico e colete salva-vidas, o visitante vai, flutuando, 800 metros rio abaixo. Na verdade, a sensação é de que se está levitando.

A companhia de piraputangas, curimbatás, dourados, lambaris e cascudos, entre outros peixes, é constante. Num ambiente em que a visibilidade se aproxima dos 100%, eles executam graciosos balés, quase sincronizados. Mas, para garantir toda essa visibilidade ? possível porque a água de lá é rica em calcário, uma espécie de purificador ?, é proibido bater pés e mãos, o que turvaria a água. O ?esforço? vale a pena. No ponto mais fundo, com cerca de 3 metros, a beleza dos peixes ganha cores ainda mais contrastantes...

Quem se cansar, pode pedir ajuda ao barqueiro, que segue os grupos para o caso de alguma emergência ? ou de cansaço mesmo ? e seguir ?viagem? do lado de fora. ?Saímos com grupos de, no máximo, nove pessoas, o que garante atenção a todos. Não há perigo?, garante o guia Li Glauber, de 36 anos, há 12 na função. Apesar da alternativa do barquinho, é bem difícil resistir a toda aquela beleza submersa.

  

Animais ? Depois da flutuação, deve-se caminhar mais 800 metros para voltar até a sede. Quem quiser, pode, ainda, conferir a Trilha dos Animais em que, de determinados pontos e munidos de binóculos, os visitantes tentam identificar espécies pantaneiras de animais em 20 hectares de área. Os passeios começam às 7h30 ? a última turma sai às 15h30, para pegar os últimos raios de sol.

Somente a flutuação custa R$ 90,00 por pessoa nos meses de alta temporada (na baixa, sai pela metade do preço). Com a Trilha dos Animais, o passeio sai a R$ 128,00 por pessoa na alta estação (e R$ 77,00 nos meses de pouco movimento). (A.C.S.)

Diversão extraída de águas límpidas da região

BONITO ? A aposta, neste passeio, é um tantinho radical. Um bote de borracha leva aventureiros num percurso de 6 quilômetros no Rio Formoso. No caminho, são ultrapassadas três cachoeiras e duas corredeiras. No final, resta um friozinho na barriga.

Antes de ?se jogar? na aventura, o guia explica algumas atitudes indispensáveis para o bom funcionamento do passeio, como a posição para se enfrentar uma cachoeira. É bom preparar braços para longas remadas ? o negócio é bem cansativo. Se estiver um pouquinho frio, então, o jeito é esquecer e tentar não sofrer muito com os pés quase congelando na água.

Mas nada disso tira a vontade de passar pelas cachoeiras, corredeiras e afins. Na maior parte do percurso, a tranqüilidade é absoluta, tempo para se apreciar pássaros e alguns animais nas margens. Nas quedas-d?água, aproveite para gritar muito. No verão, há paradas para descanso e, quem quiser, pode dar algumas braçadas na água.

O passeio termina na Ilha do Padre. O lugar, de 20.600 metros quadrados, pertence a um ex-padre, excomungado da Igreja Católica e que foi preso por envolvimento com o narcotráfico. Há dois meses, ele colocou a ilha à venda, por R$ 6 milhões ? mas, ao que consta, nada foi negociado. No fim do passeio, é comum encontrar o ex-sacerdote anunciando chocolates quentes, café e a ?pinguinha do padre?. O passeio custa R$ 50,00 na alta temporada e R$ 40,00 na baixa.

Cachoeiras ? Tour um pouco mais contemplativo, a ida até a Estância Mimosa, a 24 quilômetros de Bonito, pode ser uma dica de passeio mais ?light?. A fazenda, de 400 hectares, abriga pelo menos uma dezena de cachoeiras ? oito podem ser visitadas. No caminho, de mata ciliar, há cinco locais para banho em piscinas naturais. Para os corajosos de plantão, uma plataforma de 6 metros de altura faz as vezes de um trampolim num poço natural.

Nesta época, as águas estão bem geladas ? 17 graus, em média. Mas é um pecado deixar de entrar numa das cachoeiras. Tente pelo menos um mergulho rápido para renovar as energias. No caminho de volta à sede da fazenda, fique atento ao aparecimento de algum dos animaizinhos que costumam dar as caras por lá (já foram catalogadas 130 espécies de aves e mamíferos).

Se a fome bater, esse é o momento. Na volta, dependendo do horário, há um almoço caseiro ou um lanche especial esperando pelos visitantes. No almoço, de cardápio variado, a estrela é a sopa paraguaia que, diferentemente do que pode parecer, é um espécie de bolinho de milho, cebola e queijo. Mais uma curiosidade culinária: na mesa das saladas, um ?corredor? abastecido com água de uma nascente a um quilômetro da sede mantém verduras e legumes fresquinhos.

No lanche, é a vez de pães caseiros com manteiga e requeijão, bolos de chocolate, baunilha e cenoura, servidos com cafezinho tirado na hora, com capricho. Para se esquecer do regime. Não é à toa que lá a sesta é seguida à risca: para deleite dos comilões, várias redes estão à disposição, sob um parreiral, convidando a um cochilo. Custa R$ 45,00 na alta e R$ 37,00 na baixa estação, incluindo almoço. (A.C.S.)