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terça, 19 de agosto de 2003

Bonito se esmera na arte de surpreender

O Estado de SP

ANA CAROLINA SACOMAN

BONITO - Longa, a viagem de 278 quilômetros entre Campo Grande e Bonito parece ter um único propósito: elevar a níveis industriais a ansiedade de quem sabe que está a dois passos do paraíso. A cidade, que ganhou o nome-adjetivo por acaso - era a mesma denominação de uma fazenda daquelas bandas -, parece incansável na arte de surpreender.

Na chegada a Bonito, a expectativa ganha doses de apreensão. Numa rápida olhada, apenas ruazinhas tímidas e uma via principal compõem o campo de visão. A inevitável pergunta martela na cabeça: mas onde estão todas as divulgadas maravilhas naturais? Bem, em poucos lugares a máxima "a pressa é inimiga da perfeição" tem tanto sentido.

Nada de avaliar a cidade, com seus pouco mais de 16 mil habitantes, pela primeira impressão. Se o perímetro urbano tem pouco a oferecer, a área rural beira o deslumbre. A dica, então, é partir, sem perda de tempo, para um dos 34 atrativos turísticos catalogados pelo Fundo Brasileiro para Biodiversidade (Funbio). Todos a pelo menos 10 quilômetros do centro e alcançáveis por estradas com trechos de terra. Nada, porém, que desanime.

  

Sem medo de ser feliz - Priorizar um destino pode ser uma tarefa para lá de árdua, principalmente se o tempo for curto. Uma idéia é diversificar os tipos de tour e incluir um passeio radical e uma ida às cachoeiras. Mas, em hipótese alguma, deixe de lado as duas atrações que fizeram a fama da pequena cidade sul-mato-grossense: a visita a grutas e cavernas e a flutuação pelos límpidos rios locais.

No primeiro quesito inclua, sem medo de ser feliz, a obrigatória Gruta do Lago Azul, a cerca de 20 quilômetros do centro da cidade e destino de 98% dos visitantes que passam por Bonito. Na hora de encarar as águas mais do que transparentes, siga para o Parque Ecológico Baía Bonita que, com seu surpreendente aquário natural, conquista desde o primeiro minuto de mergulho.

É sempre bom lembrar - ou avisar, para quem não sabe - que os passeios são controlados, o número de visitantes restrito e os preços dos tours tabelados. As propriedades em que estão os atrativos são particulares e, na alta temporada, a reserva antecipada é imprescindível. Tudo em nome da preservação deste patrimônio natural - o que, por enquanto, tem dado resultados.

Nem adianta, portanto, pensar em seguir para lá de mãos abanando. O melhor é agendar, antes da viagem, todos os passeios desejados, sob pena de ficar num hotel o dia todo sem nada para fazer. Na Ygarapé Tours ( 0--67-255-1733; www.ygarape.com.br), há pelo menos 25 opções - dos mais tranqüilos aos radicalíssimos.

Aeroporto - Até o começo de outubro, para horror dos preservacionistas, deverá ser inaugurado o aeroporto da cidade. A idéia é que apenas aeronaves de pequeno porte aterrissem por lá. "Nunca deram atenção para isso aqui; a proposta é continuar preservando, sempre tendo em vista a preocupação ambiental", diz o governador do Mato Grosso do Sul, José Orcírio Miranda dos Santos, o Zeca do PT.

Com certeza, a ida até Bonito ficará bem mais prática e rápida. Mas, sem dúvida, perderá o suspense e a ansiedade partilhados secretamente entre os turistas durante as três horas e meia de estrada desde Campo Grande.

Taboa vira estrela quando a noite cai

BONITO - Verdade que a vida em Bonito se resume quase que exclusivamente ao dia. Há até alguns passeios, como o de bote de borracha no Rio Formoso, que podem ser feitos durante a noite, porém, a maioria obedece à luz do sol. Mas nem tudo está perdido para os "baladeiros". À noite, o "quente" da cidade atende pelo nome de Taboa - o bar e a cachaça.

Simpático, o lugar mistura doses de rusticidade e sofisticação e costuma ficar abarrotado na alta temporada, quando a entrada sai a R$ 15,00, sem consumação. E vale a pena. A estrutura do prédio foi montada com materiais da região, como bambu e palha de sapé, num clima meio cidade, meio praia (!). Nos fundos, há uma pequena pista de dança, com música ao vivo nos fins de semana. Todos os que passam por lá deixam alguma impressão rabiscada nas paredes, no melhor estilo do Bodeguita del Medio, o famoso bar de Havana, em Cuba.

A estrela, porém, é a Taboa, cachaça fabricada artesanalmente, com uma receita secreta, mistura que leva, entre outros ingredientes, guaraná em pó, ervas, mel e canela. E, detalhe: a bebida é servida gelada. É um resultado bem interessante e suave. "Inventei essa mistura há oito anos, quando abri o bar e virou um sucesso", conta a proprietária das Taboas, Andréa Braga Fontoura. "Eu mesma preparo a receita, que não foi modificada ao longo dos anos. É o meu lazer."

Apesar de a Taboa ser vendida (R$ 15,00 a garrafinha de 350 ml) em qualquer lojinha da cidade, a dose é servida somente no Taboa. Custa R$ 2,50. No bar, a pinga ganha outras combinações, com frutas por exemplo, num total de 20 drinques.

Boa causa - A cachaça, definitivamente, virou uma mania e também uma boa lembrança de Bonito. É difícil resistir e não levar para casa pelo menos um exemplar da pinguinha adocicada.

Nas lojas, a garrafinha ganha uma embalagem de palha - material também chamado Taboa. O interessante é que esse trabalho é executado por meninos e senhoras carentes da comunidade. Eles recebem R$ 1,10 por garrafa embalada.

"Tinha de inventar algo para que as pessoas participassem do meu trabalho, das minhas conquistas", diz Andréa. Se for por uma boa causa, então, o segredo é pegar leve na dose e levar para casa uma lembrancinha para o pai, a tia, o avô, aquele amigo que adora uma "marvada"... (A.C.S.)

Indígenas modela utensílios com estilo

BONITO - Quem não resiste em rechear a mala de lembranças, pode abrir um grande sorriso. Em Bonito, esqueça as camisetas, os ímãs de geladeira e as canetas de sempre. O melhor de lá é o artesanato produzido pelos povos indígenas da região. De encher os olhos e baratíssimo.

São três as principais tribos que comercializam suas peças: os kadiwéu, os kinikinao e os terena. O artesanato dos dois primeiros povos guarda muitas semelhanças. Explica-se: no passado, os kadiwéu, conhecidos como "índios cavaleiros" e temidos pela belicosidade, dominaram os ancestrais dos kinikinao. Hoje, eles vivem numa mesma reserva, a São João, no norte do município de Porto Murtinho.

Estima-se em 1.500 os remanescentes kadiwéu - muitos moram na região da Serra da Bodoquena, a poucos quilômetros de Bonito. Esses índios lutaram ao lado do Brasil na Guerra do Paraguai (1864- 1870) e, por isso, receberam essas terras do governo.

Somente as mulheres produzem a cerâmica, que é decorada por um padrão fixo e facilmente identificável. Parece um mosaico preenchido com cores fortes e variadas. As pinturas dos desenhos são feitas com tintas naturais, geralmente extraídas de areias de variados tons.

Uma delicadeza do trabalho desses índios são os detalhes brilhantes nas peças. Isso é conseguido com a utilização de resina de árvores. As índias fazem, na maioria, utensílios, como vasos de diversos tamanhos e formatos, pratos, enfeites de parede e também jarros.

Sutilezas - Os kinikinao - estima-se que existam apenas 60 índios dessa tribo em todo o Estado e não muito mais que isso no resto do País - seguem, digamos, a mesma tendência artística dos kadiwéu. As peças de cerâmica trazem desenhos geométricos e as índias também utilizam tintas naturais para a pintura. A diferença chega a ser sutil: as tonalidades usadas na coloração são puxadas para os tons pastéis.

Bem diferente dos anteriores é a arte dos terena - estudos apontam que há 15 mil pessoas pertencentes a essa tribo no Brasil, espalhadas por Mato Grosso do Sul e São Paulo. Eles não costumam fabricar utensílios, preferindo objetos de decoração - representando animais, na maioria.

A cerâmica tem uma tonalidade mais escura, mas não leva pintura e é de uma simplicidade desconcertante. Todas as peças são bem graciosas e o dilema reside no que escolher para decorar a casa. A vontade, na verdade, é levar todas as peças.

Diversidade - Na loja Berô Can (Rua Coronel Pilad Rebuá, 1845; 0--67-255-2294), uma das mais charmosas de Bonito, há artesanato indígena de todo o País, mas o destaque fica mesmo para as tribos locais e para os kadiwéu em especial. Os preços vão de R$ 3,00 a R$ 75,00 - um vaso kadiwéu de um metro de altura.

Uma travessa kinikinao sai entre R$ 26,00 e R$ 35,00 e uma moringa terena (um dos poucos utensílios feitos por este povo) custa R$ 35,00 em média. A cerâmica é encontrada à venda também em barraquinhas dos próprios indígenas. As peças costumam ser mais baratas e mal acabadas. (A.C.S.)

Raio de sol tinge gruta de azul

BONITO ? Se o tempo ajudar, o espetáculo é nada menos do que monumental. As belas formações com idade estimada em 500 milhões de anos da Gruta do Lago Azul ganham contornos quase fantasmagóricos num brilho de sol. A delicadeza, porém, não é testemunhada pela maioria dos visitantes. Afinal, o sutil, mas arrebatador show da natureza tem vez apenas entre os meses de dezembro e janeiro, de manhãzinha ? e dura pouquíssimas horas, duas, no máximo.

É quando o sol incide diretamente no lago que dá nome à gruta e realça o inacreditável azul de suas águas. Bom, na verdade, não é para acreditar naquela coloração mesmo. As águas, claro, são transparentes, mas uma ilusão de ótica as deixa numa tonalidade inesquecível.

Mesmo sem esse privilégio, o passeio fica por muito tempo na memória. Durante os exatos 320 degraus de descida na caverna ? ou 100 metros ?, o guia leva os visitantes a uma espécie de alucinação coletiva. Explica-se: as muitas estalactites (formações rochosas que saem do teto em direção ao chão) e estalagmites (formações do chão ao teto) criam curiosos desenhos. É só deixar a imaginação voar.

Controle ? O passeio até a gruta ? tombada pelo Patrimônio da União em 1978 ? leva mais ou menos duas horas e são permitidos, no máximo, 15 visitantes de cada vez. E nem pensar em encostar numa das paredes, tentar entrar com objetos como tripé e sequer falar alto. É bronca na certa. Há ainda outra restrição: ninguém chega até o lago ? nem para molhar os pés ?, ao contrário de poucos anos atrás, quando era permitido até mergulhar por lá.

?Me impressionou o rigor e controle no turismo. Nunca vi algo assim?, diz o escritor e jornalista Zuenir Ventura, que passou por Bonito no mês passado. ?Mas tem de ter controle mesmo. Para quem gosta de ecologia e natureza, não tem lugar mais bonito.?

No fundo do Lago Azul, contam os guias, estão os fósseis de um bicho-preguiça e de um tigre. Segundo eles, os animais foram encontrados um ao lado do outro ? o que, dizem, mostra que caíram no lago durante uma luta há muitos e muitos anos. Também nas profundidades vive um tipo de camarão, albino e cego, encontrado somente por lá.

Para chegar até a gruta, a 20 quilômetros do centro da cidade, é necessário carro particular. O passeio, que também deve ser agendado, custa R$ 10,00 por pessoa ? não é permitida a entrada de crianças com menos de 5 anos.

Levitação ? Das formações rochosas diretamente para a água. A pedida é a flutuação no aquário natural do Rio Baía Bonita, a 8 quilômetros de Bonito, e que atrai aproximadamente 30 mil visitantes todos os anos. Munido de snorkel, roupa de neoprene ? imprescindível, principalmente nos meses mais frios ?, sandálias de plástico e colete salva-vidas, o visitante vai, flutuando, 800 metros rio abaixo. Na verdade, a sensação é de que se está levitando.

A companhia de piraputangas, curimbatás, dourados, lambaris e cascudos, entre outros peixes, é constante. Num ambiente em que a visibilidade se aproxima dos 100%, eles executam graciosos balés, quase sincronizados. Mas, para garantir toda essa visibilidade ? possível porque a água de lá é rica em calcário, uma espécie de purificador ?, é proibido bater pés e mãos, o que turvaria a água. O ?esforço? vale a pena. No ponto mais fundo, com cerca de 3 metros, a beleza dos peixes ganha cores ainda mais contrastantes...

Quem se cansar, pode pedir ajuda ao barqueiro, que segue os grupos para o caso de alguma emergência ? ou de cansaço mesmo ? e seguir ?viagem? do lado de fora. ?Saímos com grupos de, no máximo, nove pessoas, o que garante atenção a todos. Não há perigo?, garante o guia Li Glauber, de 36 anos, há 12 na função. Apesar da alternativa do barquinho, é bem difícil resistir a toda aquela beleza submersa.

  

Animais ? Depois da flutuação, deve-se caminhar mais 800 metros para voltar até a sede. Quem quiser, pode, ainda, conferir a Trilha dos Animais em que, de determinados pontos e munidos de binóculos, os visitantes tentam identificar espécies pantaneiras de animais em 20 hectares de área. Os passeios começam às 7h30 ? a última turma sai às 15h30, para pegar os últimos raios de sol.

Somente a flutuação custa R$ 90,00 por pessoa nos meses de alta temporada (na baixa, sai pela metade do preço). Com a Trilha dos Animais, o passeio sai a R$ 128,00 por pessoa na alta estação (e R$ 77,00 nos meses de pouco movimento). (A.C.S.)

Diversão extraída de águas límpidas da região

BONITO ? A aposta, neste passeio, é um tantinho radical. Um bote de borracha leva aventureiros num percurso de 6 quilômetros no Rio Formoso. No caminho, são ultrapassadas três cachoeiras e duas corredeiras. No final, resta um friozinho na barriga.

Antes de ?se jogar? na aventura, o guia explica algumas atitudes indispensáveis para o bom funcionamento do passeio, como a posição para se enfrentar uma cachoeira. É bom preparar braços para longas remadas ? o negócio é bem cansativo. Se estiver um pouquinho frio, então, o jeito é esquecer e tentar não sofrer muito com os pés quase congelando na água.

Mas nada disso tira a vontade de passar pelas cachoeiras, corredeiras e afins. Na maior parte do percurso, a tranqüilidade é absoluta, tempo para se apreciar pássaros e alguns animais nas margens. Nas quedas-d?água, aproveite para gritar muito. No verão, há paradas para descanso e, quem quiser, pode dar algumas braçadas na água.

O passeio termina na Ilha do Padre. O lugar, de 20.600 metros quadrados, pertence a um ex-padre, excomungado da Igreja Católica e que foi preso por envolvimento com o narcotráfico. Há dois meses, ele colocou a ilha à venda, por R$ 6 milhões ? mas, ao que consta, nada foi negociado. No fim do passeio, é comum encontrar o ex-sacerdote anunciando chocolates quentes, café e a ?pinguinha do padre?. O passeio custa R$ 50,00 na alta temporada e R$ 40,00 na baixa.

Cachoeiras ? Tour um pouco mais contemplativo, a ida até a Estância Mimosa, a 24 quilômetros de Bonito, pode ser uma dica de passeio mais ?light?. A fazenda, de 400 hectares, abriga pelo menos uma dezena de cachoeiras ? oito podem ser visitadas. No caminho, de mata ciliar, há cinco locais para banho em piscinas naturais. Para os corajosos de plantão, uma plataforma de 6 metros de altura faz as vezes de um trampolim num poço natural.

Nesta época, as águas estão bem geladas ? 17 graus, em média. Mas é um pecado deixar de entrar numa das cachoeiras. Tente pelo menos um mergulho rápido para renovar as energias. No caminho de volta à sede da fazenda, fique atento ao aparecimento de algum dos animaizinhos que costumam dar as caras por lá (já foram catalogadas 130 espécies de aves e mamíferos).

Se a fome bater, esse é o momento. Na volta, dependendo do horário, há um almoço caseiro ou um lanche especial esperando pelos visitantes. No almoço, de cardápio variado, a estrela é a sopa paraguaia que, diferentemente do que pode parecer, é um espécie de bolinho de milho, cebola e queijo. Mais uma curiosidade culinária: na mesa das saladas, um ?corredor? abastecido com água de uma nascente a um quilômetro da sede mantém verduras e legumes fresquinhos.

No lanche, é a vez de pães caseiros com manteiga e requeijão, bolos de chocolate, baunilha e cenoura, servidos com cafezinho tirado na hora, com capricho. Para se esquecer do regime. Não é à toa que lá a sesta é seguida à risca: para deleite dos comilões, várias redes estão à disposição, sob um parreiral, convidando a um cochilo. Custa R$ 45,00 na alta e R$ 37,00 na baixa estação, incluindo almoço. (A.C.S.)

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