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quinta, 26 de agosto de 2010

A experiência do Geopark Arouca para MS

A experiência do Geopark Arouca (Portugal) para Mato Grosso do Sul

Estive em Portugal, junto com o coordenador do Programa de Geoparques do Serviço Geológico do Brasil, Carlos Schobbenhaus, e de dois geólogos que estão estudando na Universidade do Minho, em Braga, o Ricardo Fraga, que acaba de defender seu doutorado, nessa universidade, com proposta de geoparque para a Chapada Diamantina e de Marden Barreto, com projeto de doutorado em geoconservação também na Bahia.

Nessa viagem, tivemos a oportunidade de conhecer a fundo duas experiências de geoparques, a do Geopark Arouca, que relato no presente texto, e a do Naturtejo, a ser relatada em breve, o que me fez mudar ainda mais minha visão sobre os geoparques e sobre a aplicação dessa nova, dinâmica e complexa forma de se pensar e usar o território, cuja aplicação é ainda incipiente e pouco compreendida no Brasil.

O Geopark Arouca é conhecido pela suas ocorrências de trilobitas gigantes e as pedras parideiras - interessante fenômeno geológico que dá a impressão de que nódulos de biotita crescem e se desprendem a partir da “rocha-mãe”, além de outros processos geológicos ali presentes.

A cidade de Arouca é histórica e muito bonita, situada entre o norte e centro de Portugal. É também conhecida pelos seus doces, principalmente o pão de ló. Em seus arredores há inúmeras aldeias, com casas construídas de pedra, onde restam ainda algumas pessoas idosas em atividades de agricultura e pecuária tradicional. Os jovens e os de meia idade foram para a cidade.

A visita ao geopark foi interessante para saber como foi o processo de sua criação, o qual teve a iniciativa entusiástica do Prof Artur de Abreu de Sá, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. Ao apresentar a idéia de se criar um geoparque na região, encontrou de imediato a aceitação do presidente da Câmara, equivalente ao nosso prefeito no Brasil.

Deu-se início, assim, à primeira “reação química” a partir da qual inicia-se uma reação em cadeia, catalizadora, de todo um processo de aglutinação e envolvimento da comunidade local que culmina com um projeto de sucesso de criação de um geoparque. Vejo ai a necessidade fundamental dessa parceria ientre cientistas e políticos, afinal um geoparque é um instrumento de planejamento territorial, uma nova forma de pensar o desenvolvimento da região e sem o envolvimento dos políticos e produtores, é praticamente impossível a sua implementação.

Logo foi montada uma associação para dar início aos trabalhos de estruturação ao geoparque, que contou também com um trabalho de mestrado, que se encontrava em fase de finalização, da geóloga Daniela Rocha, com o inventário dos sítios de interesse para visitação (geossítios).

A associação, uma forma de ONG, tem como presidente a Sra. Margarida Belém, vereadora da câmara e do pelouro - equivalente a uma secretaria municipal – cuja pasta abrange a área de turismo e educação, entre outras. É também uma entusiasta e seu papel político tem sido de grande importância para o desenvolvimento do geoparque. O que chamou a atenção, no entanto, foi a incorporação, desde o início do projeto de um economista, o Antonio Carlos Duarte, com experiência na região em projetos de desenvolvimento econômico, que já trabalhava numa organização de fomento, algo parecido com nosso Sebrae. Hoje ele é o coordenador executivo do geoparque. O Antonio Duarte passa grande parte do seu tempo a montar projetos para obter recursos financeiros ao geoparque.

É importante ressaltar que, desde o início, foi estruturada uma equipe de trabalho com dedicação exclusiva para sua estruturação e imediatamente foi destinada, à essa equipe, um bom local de trabalho, onde hoje funciona a sede (escritório) do geoparque. Essa equipe pensou e estruturou o geoparque, com a participação efetiva do Prof. Artur, o qual entrou primeiro em funcionamento para depois ser submetido à avaliação da UNESCO.

O que dá também uma força especial ao Geopark Arouca é o interesse de um minerador de ardósea em cuja lavra ocorrem os trilobitas gigantes. Foi construída, na mineração, um centro de visitação, com um pequeno museu e auditório, onde se pode ver os fósseis e entender um pouco sobre sua forma de vida. É um bom exemplo de como é possível conciliar extração de minérios, que possibilita expor os fósseis, e conservação do Patrimônio Paleontológico, uma vez que um dos objetivos de um geoparque é a geoconservação.

O processo de estruturação do Geopark Arouca demonstra claramente a fórmula, ou receita, de como se fazer um bom geoparque ao conciliar um pesquisador, um político, no caso o equivalente a prefeito de Arouca, que acaba de se reeleger, em parte devido ao sucesso do geoparuqe, a estruturação de uma equipe de trabalho, pequena, mas com dedicação exclusiva ao geoparque e os produtores locais, inclusive um minerador.

Foi com esse pequeno, porém dedicado, empenho que o geoparque foi criado e dois anos depois recebeu o reconhecimento da UNESCO, ao ser aceito para integrar a Rede Européia de Geoparks e, depois, mais recentemente, a Rede Mundial de Geoparks.

Atualmente, o Geopark Arouca recebe, em média, 5 000 alunos de escolas da região por ano, o que demonstra a importância de se estabelecer bons projetos educacionais. A vinda de grande número de estudantes, geralmente fora do período normal de receber turistas, implica no aumento do comércio, principalmente dos conhecidos doces, o que já demonstra um claro e direto benefício do geopark ao comércio local, mas os projetos de desenvolvimento social e econômico não ficam restritos a isso. Pretende-se também, com o geoparque, resgatar certos costumes e retomar a produção de terminados produtos, como a broa de milho, além de divulgar seu principal produto que é o gado arouquês, de carne macia e de excelente sabor.

De uma forma simples, mas muito objetiva e organizada a estrutura e forma de gerenciamento do Geopark Arouca é um bom exemplo a ser seguido. Com o processo de criação do Geopark Serra da Bodoquena -Pantanal, a equipe envolvida no processo deveria conhecê-lo.

Paulo César Boggiani
Originalmente escrito para o Portal Bonito (www.portalbonito.com.br) em 03/08/2010.
Para saber mais sobre o Geopark Arouca e seus projetos, principalmente os educacionais, acesse www.geoparquearouca.com.

COLUNISTA

Paulo Boggiani

boggiani@portalbonito.com.br

Paulo César Boggiani, Geólogo formado e com doutorado pela Universidade de São Paulo, foi professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e Diretor Científico da FUNDECT - Fundação de Apoio à Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul. Atualmente é professor do Departamento de Geologia Sedimentar e Ambiental do Instituto de Geociências da USP. Foi o coordenador do primeiro curso de formação de guias de turismo de Bonito.

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