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quinta, 26 de agosto de 2010

Descubra os tesouros naturais de Bonito

Ao sul do Pantanal, o Planalto da Bodoquena -onde se localiza Bonito- reserva paisagens únicas, combinando águas cristalinas e alta biodiversidade. Além das nascentes de beleza paradisíaca, há deliciosas cachoeiras e enormes grutas com lagos submersos.

   

O cenário é único. Águas cristalinas, o verde deslumbrante das plantas aquáticas e peixes... muitos peixes. Assim são as nascentes da Serra da Bodoquena, no sudoeste do Mato Grosso do Sul. A região é reconhecida como o destino mais desejado pelos ecoturistas do Brasil. Mas a região representa muito mais que um destino turístico. Para os cientistas que ali aportam, a Bodoquena guarda uma rica biodiversidade, boa parte ainda desconhecida.

Para entender um pouco da beleza da região, é necessário voltar no tempo, em um passado geológico muito remoto. Estudos mostram que o subsolo da Bodoquena é formado por rochas calcárias muito puras, originadas há 550 milhões de anos. Estas rochas muito antigas e sua pureza explicam a limpidez das águas. O calcário dissolvido na água absorve e decanta as poucas impurezas restantes, tornado a água mais cristalina ainda. E haja transparência. Em algumas áreas, a visibilidade debaixo da água é de 50 a 60 metros. Uma das águas mais claras do mundo.

   

Plantas e animais completam o espetáculo visual dos rios da Bodoquena. A rica diversidade de organismos desta região é resultado de outros tantos milhões de anos de evolução biológica. Uma complexa e longa combinação de fatores naturais permitiu que plantas aquáticas, peixes e toda sorte de criaturas minúsculas convivessem harmonicamente em nascentes de águas absolutamente cristalinas. Em conjunto, os organismos formam uma delicada trama de vida, que conecta uma pequena planta aos grandes predadores dos rios, como os dourados e as ariranhas.

Águas límpidas escancaram a riqueza da região

Mergulhar nos rios e nascentes da Bodoquena é uma experiência fascinante. Em poucos lugares do mundo, visitantes e animais têm a possibilidade de um contato tão próximo e harmônico. Reina a cumplicidade. Respeito e destemor governam as relações entre o homem e a natureza. Os peixes são as estrelas. Basta um mergulho para observar espécies de tamanhos e cores variadas. Do enorme dourado, um dos maiores predadores dos rios brasileiros, ao vermelho-escarlate do pequenino mato-grosso, passando pelo azul-acinzentado do curimbatá e até mesmo as injustamente temidas piranhas. A beleza das nascentes se completa com as plantas aquáticas, que formam verdadeiros jardins submersos.

   

A vegetação das margens dos rios da Bodoquena contribui para o delicado equilíbrio das águas da região. Além de fornecer frutos e insetos como alimento aos peixes, a mata ciliar protege as margens dos rios ―como os cílios protegem nossos olhos―, contendo barrancas e ajudando a manter as águas límpidas. A vegetação ribeirinha também forma verdadeiros corredores para a fauna terrestre. Com um pouco de sorte e paciência, é possível observar aves como mutuns, gralhas e tucanos, e mamíferos como macacos, quatis e capivaras. Tucanos, cutias e macacos-prego atuam como jardineiros da natureza, replantando árvores das quais se alimentam. É fácil entender. Ao comerem frutos, estes animais ingerem também suas sementes e, ao defecarem, podem dispersar e gerar novas plantas.

Respeito aos limites da Natureza

A delicadeza dos ambientes da Bodoquena impõe regras de visitação. Para flutuar nas águas das nascentes, cada pequeno grupo de turista tem de estar acompanhado de um guia credenciado. Nos locais mais delicados é obrigatório o uso de roupa de neoprene e colete salva-vida. Enquanto o guia orienta e educa, os equipamentos ajudam a flutuar e evitam que a areia e a vegetação do leito do rio sejam tocadas. Tudo em nome do turismo de mínimo impacto. Como efeito secundário, grupos de no máximo dez pessoas dão aos turistas a sensação de acesso exclusivo aos locais visitados.

   

Apesar de muito transparentes, as águas da Bodoquena ainda escondem verdadeiros tesouros naturais. Quanto mais os cientistas estudam, mais descobrem que têm apenas um rascunho das riquezas da região. Estimativas avaliam que cerca de 20% das 80 espécies dos peixes da Bodoquena ainda não foram descritas pelos biólogos. O maior desconhecimento dos peixes da região está nos grupos formados por pequenos lambaris e bagres. A descrição de uma espécie equivale à “certidão de nascimento” científica. Para a montagem do quebra-cabeça da conservação ambiental, a lista das espécies de um ecossistema é a peça básica. Na Bodoquena não é diferente.

   

O aumento da visitação em áreas naturais pode interferir no delicado equilíbrio entre animais e plantas, afetando a diversidade das espécies e suas relações ecológicas.  Para conduzir o ecoturismo dentro de limites de mínimo impacto e reduzir eventuais danos, alguns locais da região, como o rio da Prata, são periodicamente monitorados. Algumas espécies de peixes, aves ribeirinhas e invertebrados aquáticos funcionam como “termômetros” do ambiente. Se alguma população aumenta, diminui ou mesmo desaparece da área, algo de errado pode estar acontecendo com os rios. Este conhecimento básico permite a tomada de medidas que visam à manutenção da integridade do ecossistema ou sua recuperação.

Janela para o mundo natural

O Brasil tem a maior riqueza de peixes de água doce do mundo, com uma riqueza estimada entre 4000 e 5000 espécies. Grande parte destes peixes vive em ambientes de águas escuras ou barrentas. As águas cristalinas da Bodoquena formam cenários ideais para contato com parte deste imenso patrimônio natural. A região é uma excelente janela para observação de ambientes de água doce. Suas águas dão um verdadeiro banho de sensibilização ambiental. Na Bodoquena, peixes deixam de ser “animais fedidos” e viram objetos de admiração.

   

A melhoria do acesso rodoviário, a construção do aeroporto em Bonito, com início de operação previsto para meados de 2004, além da abertura de novos hotéis ampliam as pressões do turismo sobre os delicados ecossistemas da região. A conservação de ambientes frágeis, como rios, nascentes, matas e grutas da Bodoquena, somente será possível se houver pesquisas ecológicas e um amplo planejamento do turismo. Mais que isso, implantar técnicas de uso racional e sustentável nestes ambientes mostra que o ecoturismo pode ser uma importante ferramenta na conservação da biodiversidade. Um exemplo para o Brasil e para o mundo.

COLUNISTA

José Sabino

jsabino@portalbonito.com.br

É biólogo, doutor em Ecologia pela UNICAMP e consultor da ONU e do Ministério do Meio Ambiente para área de biodiversidade. Atualmente é professor do Mestrado em Meio Ambiente da UNIDERP, onde ministra as disciplinas de “Ecologia de Ecossistemas”, “Biodiversidade do Cerrado e Pantanal” e “Turismo e Desenvolvimento Regional”. É pesquisador-chefe do Laboratório de Biodiversidade Conservação de Ecossistemas Aquáticos da UNIDERP.

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