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segunda, 14 de julho de 2008

Descontrole ambiental pode transformar cerrado em deserto

Mídiamax News

Há 37 anos atuando como meteorologista, pesquisador do INPE (Instituto Nacional de Pesquisa Espaciais) e fonte recorrente dos jornais de Campo Grande, o especialista Natálio Abrahão recebeu a equipe do Midiamax para falar sobre o tempo seco, as queimadas, as enchentes e outros problemas ambientais que entraram para o rol de preocupações da população e na agenda das autoridades. Ele faz um raio-x de como as mudanças climáticas podem influenciar o dia-dia das pessoas e a economia do Estado. E faz um alerta: o aquecimento segue em ritmo acelerado e a palavra inverno pode se dissociar de frio.

Midiamax - Como é o clima de Mato Grosso do Sul e seus principais problemas? .

Natálio Abrahão - Nós temos duas características: o verão é quente e úmido e o inverno não é muito frio, mas é muito seco. O período de baixa umidade acontece a partir de maio a setembro. Há uma certa normalidade quando há muitos dias sem chuva, alternando com a noite amena e temperatura alta de tarde. O que temos hoje é a potencialização de fenômenos como o desmatamento e as queimadas. Nós fazemos o monitoramento de vários lugares e a região de Corumbá é a campeã em número de queimadas. E isso interfere muito quando você relaciona queimadas com danos na atmosfera.

Midiamax - Quais são os prejuízos trazidos pelas queimadas?

Natálio Abrahão - Não só o terreno que sofre com o fogo, assim como não só acontece isso em Mato Grosso do Sul, mas em muitos estados. Além do prejuízo causado no terreno, as pessoas, os vegetais e os animais têm os seus processos fisiológicos alterados. Os animais somem e as pessoas sofrem com questões pulmonares, irritação nos olhos, e outros problemas que são mais freqüentes nessa época.

Midiamax - Como isso pode prejudicar o clima do Estado em longo prazo?

Natálio Abrahão - As queimadas vão continuar ocorrendo, apesar da informação da população. As queimadas urbanas afetam muito o envolto, uma queimada em um terreno baldio afeta a quadra inteira, traz resíduos, as pessoas se sentem desconfortáveis. Em 1995, o Brasil apresentou o maior número de queimadas da sua história, desde então esse número vem decrescendo e Mato Grosso do Sul também vem seguindo essa linha, está havendo uma conscientização maior. Porém o clima continuará o mesmo: o inverno continuará seco e haverá elevação de temperatura, os estudos nos indicam que Campo Grande está com um 1,5 grau a mais do que a média dos últimos 40 anos, sendo que esta estatística deveria ser num prazo de 120 anos, é a mesma coisa que tivéssemos feito um estudo de 1800 a 1900. Desse modo, de 1960 para cá, Campo Grande já tem um aumento médio de um grau e meio, ou seja, em 40 anos subiu o que subiria em 120 anos. As temperaturas estão subindo. Ano passado, Campo Grande registrou o recorde de temperatura da história, quando chegou a 42,4 graus, em setembro e era próximo ao inverno, a umidade foi de 7,%, uma umidade dessas é perigo de vida.

Midiamax - Quais medidas que o governo pode fazer para conter esses problemas?

Natálio Abrahão - O governo pode não fazer nada e esperar o que vai acontecer ou pode fazer ações preventivas que tenham um processo de educação, atenção ao meio-ambiente e à sustentabilidade, ou seja, se você tirar uma árvore, tem de plantar outra. Dentro da cidade, tem de ser feito núcleos habitacionais compatíveis com as alterações de temperatura. Lógico que alguns municípios não estão atentos para isso, é possível notar que há cidades que não possuem reserva florestal urbana, o que hoje é uma necessidade, todo município deveria ter uma reserva florestal urbana. Assim como Campo Grande tem o Parque dos Poderes. Campo Grande tinha um local de ilhar de calor, de alta temperatura, que é a região da rua Rui Barbosa com a Barão do Rio Branco. Hoje, já tem outro, que é na Avenida Mato Grosso com aquela igreja nova que construíram. A cidade também apresenta diferenças de temperatura, por exemplo, aqui perto do Parque dos Poderes, que é a região mais fria da cidade, por causa da vegetação e por não ter muito prédio, nós registramos, hoje de manhã, uma temperatura de 13 graus, porém no mesmo horário no Jardim Imã, no Aeroporto, a temperatura estava quase 18 graus. Nós temos em Campo Grande diferenças que mostram que há regiões que precisam ser adensadas de vegetação.

Midiamax - O que as pessoas podem fazer no dia-dia? Que pequenas ações delas fariam a diferença?

Natálio Abrahão - Se você vir alguém queimando um terreno, é preciso fazer a denúncia, porque você que está morando do lado que vai ser prejudicado. Nós não tínhamos doenças sérias como a dengue. De repente, Mato Grosso do Sul foi para o cenário nacional por causa dessas doenças, que antes eram isoladas e, agora, viraram epidemias. Então as alterações climáticas também provocam mudanças, onde temos cerrado pode virar deserto, se você desmata, você não recupera. Então, é preciso fazer essa conscientização com as pessoas: não jogue lixo fora do local adequado, faça a seleção do seu lixo, use roupas leves, tome água, não faça exercícios físicos em horário quente. São cuidados básicos que fazem a diferença, para se ter uma cidade limpa e melhor.

Midiamax - Qual é o impacto das alterações climáticas na agricultura, um dos pilares da economia do Estado?

Natálio Abrahão - Nós temos a distribuição de chuvas que determina o período da cultura. No verão úmido, é a época da cultura principal e, no inverno, é das safrinhas. A preocupação do agricultor é em relação às geadas que trazem os maiores danos. Com relação aos índices de chuva, nós podemos ficar um período sem elas, como no ano passado que teve 96 dias sem chuva, aí é um dano irreparável, não tem como a agricultura ter um controle por um período tão grande, o que não deve acontecer esse ano. Se o agricultor fizer um planejamento da lavoura, o prejuízo vai ser mínimo ou nenhum.

Midiamax - Como está o pensamento do agricultor em relação ao clima, já há uma conscientização?

Natálio Abrahão - Em 2004 e 2005, Mato Grosso do Sul sentiu um prejuízo imenso acima de 400 milhões de dólares pela seca ocorrida em plena safra de verão. Dourados, Campo Grande, Norte do Chapadão, Cassilândia foram regiões que sofreram com uma das maiores estiagens da história. Aquilo ali, os agricultores e a Federação de Agricultura tomaram como base e tiraram lições. Hoje, nós temos vínculo com os sindicatos rurais e temos equipamentos nas áreas produtivas. Então, hoje o agricultor está muito mais preocupado do que há 5 ou 10 anos. Eles nos procuram para saber como serão os prognósticos para os próximos três meses, o que não acontecia anteriormente.

Midiamax - E o Pantanal que é outro potencial da economia?

Natálio Abrahão - É uma região de baixo teor de chuva, os índices vêm caindo gradualmente. Hoje, o Pantanal está com essa situação preocupante, não significa que vai ter menos chuva, pois o que regula é o fluxo de chuva na cabeceira, quando isso se altera pode ter mais chuva ou não, porém pode ser um ciclo. Com relação ao turismo, é a região mais interessante do Estado e deve ser olhada com atenção.

Midiamax - E a questão das usinas de álcool?

Natálio Abrahão - Eu não sou contra o progresso, hoje há uma grande consciência e Mato Grosso do Sul não tem que ficar atrás da história. As usinas estão alocadas dentro de um zoneamento racional, que nós pesquisadores cremos ser o mais correto. Da forma que está sendo feita, nós não vemos grandes prejuízos. A água será e está sendo usada racionalmente, a biomassa deve ser aproveitada como energia, o vinhoto como adubo. Pelo o que temos visto esta sendo feito de forma racional.

Midiamax - Que fenômenos meteorológicos diferentes podem acontecer em Mato Grosso do Sul?

Natálio Abrahão - Vocês se lembram em 2006? O hangar da base aérea teve a influência de um tornado. Isso pode acontecer em qualquer lugar do mundo, é comum no meio-oeste americano, mas pode acontecer em qualquer lugar do mundo. São eventos que vão de 300 a 700 metros de diâmetro, são coisas pequenas, mas que podem causar danos irreparáveis. Os outros fenômenos vocês já viram que são as enchentes e inundações. O homem altera o ambiente, porém um dia a natureza vai cobrar.

Midiamax - Sempre foi possível acontecer o tornado ou foi reflexo das alterações climáticas?

Natálio Abrahão - Sempre foi possível, desde que certos fatores se associem como a elevação da temperatura em 1,5 grau acima da média. Para você ter uma idéia, a temperatura mais baixa de Campo Grande foi em 16 de julho de 1975, nós tivemos 1,4 grau abaixo de zero, a geada atingiu seis milímetro de espessura e ficou um dia e meio pra derreter, depois disso nunca tivemos um dia com temperatura negativa.

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