Progresso econômico no Pantanal de MS ameaça bioma, diz pesquisadora
G1
Jacaré no Pantanal sul-mato-grossense(Foto: Saulo Coelho/Embrapa Pantanal)
Desmatamento do cerrado alimenta siderurgias em Corumbá (MS). Para estudiosa, desenvolvimento não pode ocorrer a qualquer custo.
Artigo por Maria Silvia Peixoto Gervásio*
Recentemente, o Pantanal apareceu no noticiário dos crimes ambientais. Fazendas pantaneiras que antes serviram à pesquisa e ao ecoturismo, descobre-se agora voltadas para o turismo de caça, o que é proibido. Muitos assistiram as cenas chocantes de onças, pardas e pintadas, e capivaras sendo abatidas covardemente, encurraladas, e o sarcasmo dos criminosos em volta.
Cenas que revoltam pela crueldade com esses belos animais que no Pantanal estão ao alcance dos olhos. Os turistas de natureza, mesmo os mais citadinos, apreciam a maior planície inundável de água doce do mundo não só pela incrível diversidade biológica e paisagens inusitadas, mas também pela oportunidade real de encontrar os animais em seu habitat natural.
Muito se fala em conservação da natureza, especialmente na Semana do Meio Ambiente, mas as necessidades de desenvolvimento econômico, geração de empregos e outras demandas pressionam por mudanças, em geral para pior, dos ecossistemas naturais que cedem espaço para essas atividades. Com o Pantanal não está sendo diferente.
Por mais de 220 anos a economia pantaneira baseou-se em práticas sustentáveis como a criação extensiva de gado nas pastagens naturais e, mais recentemente, o turismo de pesca e o ecoturismo, mas nos últimos anos as atividades econômicas se diversificaram e cresceram as ameaças, pois muitas delas geram significativos impactos ambientais.
A siderurgia voltou com força em Corumbá (MS), mas como não havia reflorestamentos de onde obter a energia do carvão vegetal, foi estimulada uma prática devastadora de desmatamento do cerrado, que se nota pela mudança no uso do solo e pelo aumento de carvoarias, legais e ilegais, que se proliferam nas franjas do Pantanal.
Ou seja, a vegetação de cerrado e os habitats para a fauna do Pantanal estão sendo queimados nos fornos dos carvoeiros e depois nos altos fornos da indústria. É inaceitável. E há outras ameaças representadas por grandes projetos que agora estão em stand by, como o polo gás-químico, indústria de fertilizantes e termelétrica, todos previstos para Corumbá, em pleno Pantanal.
O desenvolvimento não pode ocorrer a qualquer custo, pois o custo ambiental é também econômico e social, como comprovam os grandes desastres naturais recentes no Brasil e no mundo. A ideia da sustentabilidade encontra-se hoje disseminada e aceita por grande parte dos segmentos sociais, vista inclusive como oportunidade de negócios. Porém, a equação da sustentabilidade de áreas especiais como o Pantanal, que sozinho constitui um dos Biomas Brasileiros, deve introduzir elementos diferenciados de avaliação e proteção, que não se aplicam aos outros. O Novo Código Florestal precisa tratar o Pantanal de maneira específica pois o Bioma não pode permanecer no grupo onde se admite que 80% da propriedade rural possa ser desmatada para dar origem a atividades produtivas, teoricamente restando apenas 20% da Reserva Legal, sob pena de se descaracterizar. Resulta dessa legislação que muitas carvoarias trabalham de acordo com a lei, como alegam seus advogados, pois os produtores rurais obtém licenças de desmatamento. Mas isso ainda pode mudar.
Não basta o Art.11 do Novo Código Florestal aprovado pela Câmara dos Deputados determinar que “na planície pantaneira, é permitida a exploração ecologicamente sustentável, devendo considerar as recomendações técnicas dos órgãos oficiais de pesquisa, ficando novas supressões de vegetação nativa para uso alternativo do solo condicionadas à autorização do órgão estadual do meio ambiente, com base nas recomendações mencionadas neste artigo”.
É preciso avançar para proteger as diversas paisagens que compõem o Pantanal: baías, corixos, vazantes, campos, capões, cordilheiras de mata e ao mesmo tempo assegurar ao produtor rural condições de desenvolvimento. Avançar nos mecanismos de valoração e remuneração pela conservação da natureza, para que esta valha mais viva do que transformada em carvão, pastagem ou lavoura, o que seria uma perda inestimável.
A postura conservacionista dos proprietários renderia a valorização das atividades econômicas tradicionais mas de baixo impacto ambiental e alto valor agregado já existentes no Pantanal, como o boi orgânico (boi verde), o turismo de pesca, o ecoturismo, a produção de mel, entre outras, e a remuneração pela conservação ambiental e proteção da biodiversidade.
De fato, as características naturais da planície do Pantanal com seus pulsos de inundação e dinâmicas próprias, não tornam fáceis as tarefas de engenharia, logística e produção associadas ao desenvolvimento econômico clássico. Alterar essas condições naturais para adaptá-las à produção significa acabar com o Pantanal, pois a sazonalidade e as cheias é que determinam essa riqueza natural.
Assim, é preciso que as atividades econômicas necessárias para o desenvolvimento do homem pantaneiro sejam adequadas à sua cultura e ao meio ambiente, e de baixo impacto ambiental, mas acima de tudo é preciso que se encontre o caminho viável para a conservação dos recursos naturais do Pantanal.
Não há muito o que comemorar nesta Semana do Meio Ambiente de 2011. Avançamos lentamente na superação do modelo de desenvolvimento predador, apesar da inteligência humana.
* Maria Silvia Peixoto Gervásio, Bióloga (USP) e Mestre em Ecologia e Conservação (UFMS). É Consultora em Meio Ambiente e Coordenadora do Curso de Ciências Biológicas da Universidade Anhanguera-Uniderp (Campo Grande).