quinta, 12 de agosto de 2010
Embrapa Pantanal
Há 270 anos a pecuária faz parte das atividades econômicas pantaneiras. O boi chegou à região em 1542 com os espanhóis, nos tempos em que o Tratado de Tordesilhas dividia as terras brasileiras entre Portugal e Espanha. Os índios eram bárbaros desconhecidos que, vez ou outra, saqueavam os colonizadores e dessa forma "pulverizaram" a planície pantaneira com animais domésticos, inexistentes nessas terras.
O boi foi criado solto, com cruzamentos aleatórios e com as pastagens naturais abundantes procriou e durante muitos anos passou pelo processo de seleção natural, adaptando-se ao clima e à geografia, convivendo com animais silvestres e resistindo às intempéries do local, com cheias e secas.
O bovino Pantaneiro, conhecido como Tucura, é uma raça naturalizada, que descende desses animais e foi criado no Pantanal até a década de 1950. Teve um papel importante como produto no ciclo do charque da região, no fornecimento de carne, inclusive durante os períodos de guerra e derivados (osso, couro) que eram exportados para a Europa. A introdução de raças exóticas mais produtivas e resultantes de melhoramento genético fez com que o Tucura se distanciasse das necessidades dos produtores e do mercado, apesar das suas qualidades naturais.
Hoje essa raça pode ser considerada o bovino de origem européia mais adaptado à região do Pantanal. Sua carne é popularmente conhecida pelo sabor e maciez e ganha o interesse de pesquisadores como a médica veterinária Raquel Soares Juliano, que pesquisa a conservação e uso dessa raça, associada ao desenvolvimento sustentável da região desde 2007.
Segundo pesquisas, a raça corre risco de extinção. Em todo o Brasil existem cerca de 500 cabeças, em dois criatórios conhecidos. Uma das razões que dificulta a comercialização do Tucura é o fato desse animal não atender às características do mercado frigorífico convencional, pois apresenta menor peso ao abate. Entretanto as pesquisas em andamento investigam características favoráveis na qualidade de carne e carcaça.
Para Raquel, há uma boa oportunidade de utilização da raça em cruzamentos com o Nelore e se as pesquisas confirmarem um resultado positivo, será uma opção para conter o processo de extinção.
O pantaneiro Roberto dos Santos Rondon, assistente de pesquisadores da Embrapa Pantanal (Corumbá-MS), Unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa, vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, há 25 anos, confirma as vantagens de criar tucura "Em época de enchente ele é bom pro manejo, convive bem com a água e é bem resistente às pragas, apesar de ser um 'bicho bravo'".
Outra proposta da Embrapa para a manutenção da raça seria aliar apreciadores da gastronomia ao turismo: trazer o mercado consumidor para a região e promover a sustentabilidade existente na cadeia produtiva no Pantanal. Assim, seria inverso o processo de exportar gado para ganhar o gosto europeu e chinês, principais consumidores da carne brasileira, pois eles viriam como turistas para conhecer a produção in loco, como é feito nas regiões vinícolas de todo o mundo. Para tentar desenvolver este nicho mercadológico, a fazenda modelo Nhumirim, da Embrapa Pantanal, realiza pesquisas com raças adaptadas e, até o fim do ano, terá os primeiros resultados de qualidade de carne e carcaça de bovinos Tucura.
"A dificuldade é adequar a cadeia produtiva da carne a um mercado consumidor relacionado ao turismo, isso ainda não existe", lamenta Raquel. A fazenda também está em processo de reestruturação para conseguir o selo orgânico, que reforça sua opção pela produção sustentável.
Quanto à cruza, o campograndense e agropecuarista Túlio Alves Filho, dono da fazenda São Roque, situada no pantanal da Nhecolândia, recomenda ser a melhor opção de cria "porque o tucura é um boi de pouco peso, então levei touros nelore para cruzar e obtive carne muito saborosa e mestiços de engorda mais rápida". Há 40 anos comprou a São Roque da família de Cândido Rondon e hoje cria em torno de quatro mil cabeças de gado mestiço, considerando o Pantanal "o lugar mais barato se criar gado de forma extensiva, pois a terra é barata e o pasto nativo é bom".
Para garantir a sustentabilidade do sistema produtivo é necessário esclarecer que a pecuária deve ter como alicerce o tripé econômico, social e ambiental, permitindo o equilíbrio entre a natureza, a comunidade e a atividade produtiva.