terça, 05 de maio de 2009
MS Notícias
Júlio, Silvério e Otacílio. Histórias diferentes ligadas pelos trilhos da Noroeste. Ex-maquinistas, residentes em Campo Grande, todos contam com orgulho que trabalharam no tempo da Maria Fumaça. Ainda descrentes de que o trem de passageiros voltará a circular pelos trilhos do Pantanal, eles afirmam que "se isso for realmente verdade", simboliza o resgate da história da ferrovia de Mato Grosso do Sul. De condutores do trem, todos pretendem fazer nova viagem, desta vez, como passageiros.
O baiano Júlio José de Souza, 84 anos, começou a trabalhar na Noroeste em 1952, atuando como lenhador e foguista até chegar a tão almejada profissão de maquinista. Sua última viagem de trem foi em 30 de dezembro de 1977, dois meses após a região sul de Mato Grosso ter conquistado sua independência. "Quando entrei na Noroeste, tinha 35 anos. Comecei como lenhador e depois foguista. Era uma profissão muito difícil. Junto comigo entraram 15 homens, no terceiro dia só restaram três", lembra.
Como maquinista, Júlio sempre trabalhou manobrando o trem para Ponta Porã e Água Clara. Ele conta que conduzir a Maria Fumaça era muito difícil. "O trilho era muito fino. Trafegávamos a 15 quilômetros por hora na subida; já na descida, se deixasse, o trem chegava a 90 quilômetros".
"Nós cuidávamos da máquina igual cuidávamos das mulheres"
Ele destaca que conduzir o trem de passageiros era uma profissão de muita responsabilidade. "Nós cuidávamos da máquina, igual cuidávamos das mulheres. Limpava a Maria fumaça e deixava a parte de bronze brilhando. Às vezes trabalhava sem comer. Não podia parar enquanto o trem não chegasse ao seu destino. Cheguei a ficar duas noites e dois dias, em Ribas do Rio Pardo, devido a locomotiva ter estragado".
- O senhor está sabendo que o Trem do Pantanal vai voltar?
- Sempre aparece essa conversa que o trem de passageiros vai voltar. Eu não acredito que seja verdade. Acho que até lá, eu não estarei mais vivo. O outro governador ficou prometendo isso todo ano e não conseguiu cumprir.
Descrença à parte, o ex-maquinista Júlio afirma que a volta do trem de passageiros será a chance para muita gente conhecer o Pantanal "Eu mesmo que trabalhei no trem, não conheço. "Até hoje tenho saudades do trem de passageiros. Não tem outra condução melhor", afirma.
"Os trens de passageiros sempre foram lotados neste trecho"
Silvério de Oliveira, 79 anos, também entrou na Noroeste em 1952. Ele chegou a trabalhar 6 anos como operador da Maria Fumaça. "Fui eu que realizei a última viagem da Maria Fumaça, levando ela de Campo Grande a Bauru. Era uma vida muito sofrida lidar com essa máquina, os trilhos eram finos, e aconteciam vários descarrilamentos de vagões. No Distrito de Itahum, cheguei a ficar uma semana no meio do mato, após o acidente, até que tudo fosse concertado", lembra.
Embora duvidoso de que o trem de passageiros será reativado, ele garante que caso ele volte aos trilhos, de Campo Grande a Corumbá, será lucro certo para a empresa. "Os trens de passageiros sempre foram lotados nesse trecho, por isso, acredito que sempre terá procura por passagens", afirma. Ele ressalta que o fato de ser um dos poucos maquinistas vivos daquela época é sinal de vitória. "Tenho grande orgulho, ser um dos poucos funcionários que conseguiu licença especial, que era concedida somente para aqueles que nunca faltaram o serviço durante 10 anos", ressalta.
"A ferrovia sempre foi tudo na minha vida. Foi meu pai e minha mãe"
A ferrovia foi meu pai e minha mãe, entrei com 19 anos e por meio dela criei minha família. Ela sempre foi tudo na minha vida. A gente pega amor no que faz. O maquinista era uma profissão respeitada", afirma o mais novo da turma, Otacílio Batista Dias, 72 anos. Ele começou a trabalhar em 1956, atuando como foguista da Maria Fumaça, passando a ser maquinista quando a locomotiva já era movida a diesel. "Trabalhei durante 28 anos, mas na verdade nunca andei de trem, pois sempre andei na locomotiva. Agora, ele voltando, quero viajar como passageiro, tirar foto e contemplar a natureza", afirma.
Ele foi um dos maquinistas responsáveis em conduzir o trem de passageiros envolvendo o trecho Campo Grande a Corumbá. Com o anúncio da reativação do Trem do Pantanal, ele gostaria que ele voltasse atender o pobre. "Naquela época, durante a enchente do Pantanal, era muito bonita a viagem até Corumbá, nós encontrávamos vários animais na beira do trilho, cervos, veados, catetos. Foi com grande tristeza que recebi a notícia da desativação do trem de passageiros", lamenta.
Ao ressaltar a importância da profissão, lembra que uma vez ao conduzir um comboio de carga, de Campo Grande a Aquidauana, quando chegou próximo da região de Piraputanga, um dos funcionários responsáveis pela manutenção no meio da estrada, pediu socorro, pois sua esposa estava grávida de 9 meses e estava sentindo contrações para o parto. "Falei que na máquina não podia levar, mas se quisesse poderia embarcar num dos vagões de carga. Eles entraram, quando cheguei em Aquidauana, verifiquei que a mulher havia ganho o filho ali mesmo e bebê se encontrava ainda com o cordão umbilical", lembra.
Um dos maiores arrependimentos de Otacílio é o fato de não ter tirado uma foto daquela época. "Era uma loucura o trem de passageiros. Quando parava na estação de Campo Grande formava aquela massa de gente. Era aquela correria. Malas sendo jogadas para dentro, pessoas pulando pela janela. Sinto muita pena por não ter tirado uma foto de tudo isso", lembra. O momento desta foto está chegando. O trem do Pantanal volta aos trilhos no dia 8 de maio, com a presença do presidente Lula e do governador André Puccinelli na viagem inaugural.