terça, 23 de maio de 2006
Diário da Grande ABC
Heloísa Cestari
Do Diário do Grande ABC
Considerada um dos mais importantes destinos ecológicos do Brasil, a cidade de Bonito, no Mato Grosso do Sul, oferece um leque de atrações para ecoturista nenhum botar defeito: além da cinematográfica gruta do Lago Azul, principal cartão-postal da região, a rica fauna pantaneira, os imensos paredões procurados por adeptos de rapel, trilhas em meio à exuberante flora local, cachoeiras e rios propícios à prática do mergulho superficial, do rafting, do caiaque, do bóia-cross e da flutuação, proporcionando ao visitante a sensação de estar submerso num imenso aquário natural, cercado de plantas aquáticas, piraputangas, dourados, pintados, piaus e outra infinidade de peixes fazem a festa dos aficionados por esportes de aventura.
Tudo, é claro, sem desrespeitar as mais severas normas de preservação, essenciais para que todo este patrimônio natural não desapareça por conta do turismo predatório e do número crescente de visitantes. Para tanto, a maior parte das grutas e estâncias apresentam número limitado de pessoas por dia. Passeios concorridos como a gruta do Lago Azul e o rio da Prata chegam a exigir agendamento com pelo menos um mês de antecedência em feriados e na alta temporada, e só podem ser adquiridos por meio de agências locais, concentradas na avenida principal do município. Caso contrário, o turista desavisado poderá partir de Bonito sem ter conseguido visitar suas principais atrações.
Protetor solar, repelentes e outros cremes também são proibidos aos que pretendem mergulhar em lagos e corredeiras, pois as substâncias químicas destes produtos prejudicam o ecossistema subaquático. Coletes salva-vidas e bóias também são exigidos em alguns lagos de baixo nível d?água a fim de que o visitante não pise nas plantas submersas. As regras, enfim, são muitas, mas valem a pena para que o nome da cidade continue a fazer jus às suas belezas.
Grutas emolduram o cenário
A gruta de São Miguel, com seu salão de pedra, raízes de figueiras que atravessam a rocha, estalagmites, estalactites, cortinas, pérolas e outras formações de pedra milenares, seria capaz de impressionar até mesmo um geólogo experiente pela variedade de formas esculpidas pela água e pelo tempo. Esta exposição permanente de formações rochosas fica a 12 km do Centro de Bonito, na Reserva Natural Parque Ecológico Vale Anhumas. Na gruta, o turista trava um dos primeiros contatos com a natureza. Além da sensação de imponência por ser envolvido por toneladas de pedra calcárea em permanente transformação, pode-se ver morcegos, ossos de pequenos animais que foram alimento da coruja que habita a caverna e, com um pouco de sorte, ver a própria ilustre habitante do local.
Oito quilômetros adiante, a 20 km de Bonito, está a famosa gruta do Lago Azul. Após uma trilha pela mata e depois de chegar ao fundo da caverna, o queixo do visitante se encontrará provavelmente na mesma altura que o do índio terena que descobriu a entrada da gruta, quando atingiu aquele mesmo platô em 1924: no nível do chão.
A tonalidade azulada forte que emana das águas e dá nome ao local tem razão científica tão complicada que até mesmo os guias têm problemas para explicar. Segundo estudos geológicos, a formação das rochas ricas em calcário faz com que a iluminação que entra pela gruta mude a cor da água ao atravessá-la. Como a luz é refletida diversas vezes pelas paredes, antes de atingir o fundo do lago, a imagem se torna única. Mesmo no rio Sucuri, onde o leito do córrego também é rico em calcário, a cor da água não se iguala. Infelizmente, a experiência é apenas para saciar os olhos, pois o banho no lago azul é proibido.
A medida, pouco simpática e que frustra 99% dos suarentos visitantes que descem os 100 m que separam a entrada do último ponto onde se pode chegar na caverna, é parte de uma série de medidas que os responsáveis pelo turismo em Bonito adotaram para preservar as belezas naturais. Em todos os passeios, há claras instruções sobre o que pode e o que não pode fazer. As flutuações no Aquário Natural (a 6 km do Centro) e no rio Sucuri (17 km do Centro) têm regras semelhantes na rigidez. Não se pode bater os pés dentro d'água e entrar nos rios, somente de colete salva-vidas, roupa de neoprene e calçados que ajudam a boiar. Isto porque, nos dois passeios, os rios são bastante rasos e o contato com o fundo dos córregos prejudica a visibilidade da fauna e da flora. Esta é uma das marcas mais impressionantes do turismo em Bonito: o contato regrado, mas muito próximo, com a vida animal e vegetal. Nas flutuações é quase possível tocar nos peixes, nas conchas e nas plantas.
Pacus, curimbas, piraputangas, caranguejos e pintados circulam entre os visitantes sempre desconfiados. Tentar tocar em um peixe é tarefa para os muito hábeis. Em seu hábitat natural, eles são extremamente ágeis e esquivos. Na Reserva Ecológica Baía Bonita, onde está localizado o Aquário Natural, além de flutuar em meio aos peixes nas águas cristalinas do rio que dá nome ao parque, pode-se percorrer a pé uma trilha que leva o visitante a ver e ouvir bem de perto jacarés-do-papo-amarelo, lobos guará, capivaras, antas, macacos-pregos, cotias, pássaros diversos, além de ver árvores raras e típicas da região como bacuri, aroeira, ipê, figueira santa, entre outras. O cenário ainda torna o local propício para a prática de esportes radicais, como a tirolesa.
Cultura tem agenda cheia em junho
Como se já não bastasse o imenso menu de atrativos naturais que fazem do termo Bonito um mero eufemismo, quem visitar a cidade entre os dias 22 e 29 de julho ainda poderá conferir os shows musicais, encenações, mostras de cinema e vídeo, exposições de artes plásticas e demais manifestações artísticas programadas para a sétima edição do Festival de Inverno de Bonito.
Embora a cidade não tenha cinema nem teatro, não é de hoje que a qualidade de sua agenda cultural tem conquistado cada vez mais simpatizantes justamente na época mais fria do ano, em exibições ao ar livre. Só na edição de 2005, foram 45 mil espectadores, atraídos pelas apresentações de pintura, dança, literatura, fotografia, teatro e, principalmente, pelos shows de cantores do quilate de Nando Reis, Moraes Moreira, Fagner, Fernanda Abreu e Elza Soares, além da Orquestra Villa-Lobinhos e de vários ícones da música sul-mato-grossense, como Rodrigo Sater, Marcio Camillo, Dino Rocha e Gilson Espíndola.
As atrações programadas para o festival de 2006 ainda não foram definidas pelo governo municipal, mas já é possível efetuar inscrição para os concursos de fotografia e mostras de vídeo o prazo vai até o dia 30 deste mês. A agenda completa poderá ser conferida a partir de junho na página oficial do evento na internet.
Site www.festinbonito.com.br
Ao alcance dos olhos e da boca
Além da visão e da audição, outro sentido bem bacana para conhecer a vida animal da região é o paladar. Jacarés, piraputangas, surubins, pintados e o javontês, uma raça desenvolvida na região através da mistura do javali com o porco montês, são muito bem-vindos na mesa de alguns dos restaurantes da região.
No Castellabate, uma porção de iscas de jacaré fritinhas e cortadas ao estilo de aperitivo, acompanhadas de limãozinho e molho de urucum, aquela frutinha que o índio usa para se pintar e o homem branco para tingir o arroz, sai por R$ 22. A porção é generosa e a carne, semelhante à textura da lula. Há também a opção do jacaré ao urucum, que vem com o molhinho, queijo e arroz por R$ 27.
À noite, todo mundo se dirige ao Taboa, barzinho no Centro com mesas na calçada e que começa a encher após as 22h. A casa oferece uma honesta e leve cachaça de fabricação própria, a R$ 3 a dose, batizada com o nome do estabelecimento. Um garçom diz que, apesar das informações desencontradas sobre o que veio primeiro o bar ou a aguardente, foi o botequinho quem originou a bebida. O bar já tem 13 anos de funcionamento e traz em suas paredes recados rabiscados nas mais variadas línguas, por visitantes de todos os lugares imagináveis.
No fim da noite, a volta ao hotel reserva uma última surpresa. Depois de certo horário, não há mais táxis no único ponto. A opção é encarar o mototáxi e o ventinho gelado que bate nas pernas de quem achava que bastava uma bermuda. No fim da estadia em Bonito, a única coisa em comum que tem o visitante com aquela comitiva de bois que cruza passado e presente, em um encontro da tradição e progresso, é saber que ele também deixará para trás as paisagens tricolores que encantam os olhos, rumo a um novo destino, restando apenas lembranças do cheiro do barro, do mato, das águas transparentes, do calor, do canto dos muitos pássaros, do gotejar no silêncio das grutas, do gosto do jacaré e da grandiosidade do céu que abraça a região.
Belezas milenares e costumes enraizados
No começo do século XXI, o interior do Brasil ainda surpreende os visitantes com belezas milenares e costumes enraizados na história de uma região que mantém um pé em um passado de estradas de terra e em um presente de vôos fretados em pequenos jatos por turistas alemães, italianos e portugueses. Localizada a 300 km de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul, no roteiro de seculares caravanas de bois em busca de pastagens altas para fugir da cheia do vizinho Pantanal, Bonito encanta pelo contato íntimo com a natureza e por ser um dos recantos mais bem preservados do Centro-Oeste.
Situada à beira da Serra da Bodoquena, a cidade conserva estradas de terra que atravessam não apenas o centro urbano de Bonito, mas enormes extensões de terra plana onde o que mais se vê são milhares de cabeças de gado a acompanhar os quadriciclos utilizados nos passeios e verdejantes plantações de soja e de cana-de-açúcar que se estendem até onde os olhos alcançam. O viajante que contempla a paisagem a sua volta tem sempre três cores em seus olhos: o verde da vegetação, o marrom do barro que se desprende do chão quando um veículo passa, e o azul do céu característico da região central do país. O desatento, além de perder a chance de ver de perto animais como gaviões, siriemas, avestruzes e até pequenos lobos, perde-se em meio a caminhos que se repetem e se parecem.
Mesmo na BR-060, que liga a cidade à capital do Mato Grosso do Sul, é possível se deparar com tradições que teimam em persistir apesar dos novos tempos. Verdadeiras comitivas de cabeças de gado refazem caminhos que datam do início da colonização do interior do Brasil, só que agora, em vez de guiadas pelas picadas abertas pelos pioneiros e por bandeirantes, seguem por estradas asfaltadas e sinalizadas por placas que informam: Aquidauana 170 km. Pela velocidade da caravana na rodovia, e pelos cálculos do motorista conhecido como Seu Rodrigues, nascido no interior sul-mato-grossense e habituado à espera de um espaço para passar com sua van no meio do enorme rebanho, a viagem será de quase um mês para os 551 bois e seis peões, entre o destino à beira do Pantanal e o pouso de onde saíram naquela manhã em Sidrolândia.
Para o turista, a viagem é muito menos extenuante. A distância é coberta sem sustos em cerca de três horas, por uma estrada em bom estado em quase toda a sua extensão, mas sem iluminação. Soma-se a este trajeto um vôo de, em média, 1h30, se não houver escalas e conexões, sendo Londrina a parada mais comum, entre São Paulo e o Aeroporto Internacional de Campo Grande.
O Centro de Bonito é pequeno, com poucas ruas asfaltadas. Na principal, a avenida Coronel Pilad Rebuá, o dono do Rincão de Bonito, fazenda que originou a cidade, guarda o que ela tem de mais urbano: agências de turismo, bares, farmácia 24 horas, duas agências bancárias, um ponto de mototáxi e outro de transporte convencional, duas praças e algumas casas. Poucos prédios e nenhum com mais de três andares. O que faz com que, somado ao relevo regional, do centro de Bonito se enxergue intermináveis estradas de terra com longínquas elevações verdes. No horizonte, além do que a vista alcança, estão alguns dos motivos que trazem para este lugar visitantes do Paraná, São Paulo, Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro, só para citar alguns dos turistas domésticos mais encontrados por estas bandas do Mato Grosso do Sul.
30/08/2023 - 00:00