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terça, 09 de março de 2021

Quatro mulheres conservacionistas se unem para reduzir atropelamentos de fauna em Bonito

Mapeamento identificou 11 pontos para alocação de passagens superiores, incluindo pontos de alta circulação de turistas como a Estrada do Turismo, que dá acesso a diversos atrativos da cidade, e na rodovia MS-178, na ponte dos rios Formoso e Formosinho.

Bonito Notícias

Juliana, Fernanda, Ângela e Raquel, na companhia de Raquel Facuri (diretora executiva da ONG Ampara Animal), em um de seus encontros para falar sobre o projeto.(Foto: Arquivo Pessoal)

Fernanda Abra, Angela Kuczach, Juliana Camargo e Raquel Machado são referências nas áreas em que atuam.

Reconhecida, em 2019, com um dos prêmios de meio ambiente mais importantes do mundo, como já contamos aqui, Fernanda é bióloga, especialista em Ecologia das Estradas, com foco no atropelamento e morte de mamíferos, e é sócia-diretora da ViaFAUNA.

Angela é diretora executiva da Rede Pro-UC, expert em unidades de conservação, em fazer boas conexões e idealizadora do maior evento de mobilização pelas áreas protegidas do Brasil: Um Dia no Parque.

Juliana e Raquel atuam na reabilitação e reintrodução de animais silvestres. Com a Ampara Silvestre e o Instituto Raquel Machado, elas também garantem o bem-estar daqueles que, infelizmente, não podem voltar a seus habitats, em
geral, vítimas do tráfico.

Agora, as quatro conservacionistas estão unidas em um projeto para reduzir os atropelamentos da fauna nas rodovias de Bonito, em Mato Grosso do Sul. E conhecem bem o tamanho do desafio.

Quem iniciou esse movimento foi Raquel, que também é conselheira da Fundação Neotrópica do Brasil.

Indignada com a quantidade de animais encontrados mortos todos os dias nas estradas da região, ela procurou por Ângela, que rapidamente conectou Fernanda, especialista no tema.

Em seguida, Raquel convidou Juliana para integrar o grupo que, nos próximos anos, vai trabalhar pela redução das colisões que envolvam animais nas rodovias de Bonito, incluindo a MS-382, MS-178, MS-345 e a Estrada do Turismo,
nome dado à Avenida Matheus Muller.

Para se ter ideia da dimensão dessa tragédia, Fernanda me passou dados de monitoramentos realizados pelo ICAS- Instituto de Conservação de Animais Silvestres (liderado pelo biólogo Arnaud Desbiez) e pela INCAB – Iniciativa
Nacional de Conservação da Anta Brasileira (liderado pela especialista em antas, Patrícia Médici), entre fevereiro de 2017 e janeiro de 2020, nas rodovias MS-040, BR-262 e BR-267, no Mato Grosso do Sul.

São alarmantes! Só de mamíferos terrestres morreram quase 2 mil, sendo que cerca de 16% são de espécies ameaçadas de extinção, condição para a qual os atropelamentos contribuem todos os dias.

O Grupo Unidos Serra da Bodoquena lançou um abaixo-assinado para pressionar a AGESUL – Agência Estadual de Gestão de Empreendimentos de Mato Grosso do Sul para instalar placas de sinalização e redutores de velocidade nas rodovias do Município de Bonito, Estado de Mato Grosso do Sul. A meta é obter 7.500 assinaturas: ainda faltam 1.629.

Mitigação, comunicação e advocacy

A princípio, o projeto terá três frentes de trabalho:

Plano de mitigação para redução de colisões que envolvam animais silvestres de médio e grande porte em estradas e rodovias de Bonito;
Campanha de Comunicação/Conscientização: atividades para engajamento da população acerca das colisões de fauna; e Advocacy: atividades institucionais/políticas para inuenciar a criação de novas políticas públicas, alocações de recursos e gestão da problemática das colisões nesses viários.
A primeira fase consistiu em uma avaliação in loco das rodovias estaduais acima citadas, a fim de levantar que estruturas são desejáveis para o plano de mitigação, tais como alocação de passagens inferiores de fauna, passagens superiores de fauna, cercamento, alocação de placas de sinalização de advertência e de travessia de fauna, além de limitadores físicos e eletrônicos (radares) de velocidade.

O mapeamento identificou 11 pontos para alocação de passagens superiores, incluindo pontos de alta circulação de turistas como a Estrada do Turismo, que dá acesso a diversos atrativos da cidade e na rodovia MS-178, na ponte dos rios Formoso e Formosinho.

“As passagens inferiores de fauna em combinação com cercamento são as medidas mais ecientes e comuns, mundo afora, para reduzir o atropelamento de animais terrestres de médio e grande porte (mamíferos, principalmente)”, explica Fernanda.

Já as passagens aéreas são medidas exclusivas para permitir a travessia de animais com hábitos arborícolas, ou seja, que se deslocam essencialmente ou parcialmente pela copa das árvores, como gambás, cuicas e primatas.

“Suspeita-se que o declínio populacional seja maior que 30% nas últimas três gerações devido a fatores como a perda, fragmentação e desconexão de habitat, aumento da matriz rodoviária e energética, expansão urbana, incêndios, caça, vulnerabilidade a epidemias, assentamentos rurais e endogamia, entre outras ameaças”, destaca a especialista.

Os maiores desafios

Fernanda salienta que um dos maiores desafios é mudar a forma como o Estado do Mato Grosso do Sul tem planejado, instalado e operado suas rodovias.

“Em pleno 2021, é inconcebível que os projetos de engenharia rodoviária do Mato Grosso do Sul não considerem a impactante dinâmica destes empreendimentos no meio ambiente natural, principalmente em relação à fauna silvestre!”.

Sim, é preciso levar em conta que as rodovias invadem o habitat dos animais, não contrário. Por isso, qualquer projeto de estradas no país deveria contemplar ações para evitar os atropelamentos, sobre as quais já falamos; passagens e cercamento, entre outras.

Para Raquel, o grande desafio “é sensibilizar e mobilizar os diferentes setores envolvidos neste processo. É tornar este assunto uma pauta ambiental que precisa ser imediatamente priorizada e internalizada por todos. Este é o nosso desafio!”. E completa:

“Juntamos nossas instituições para realizar este projeto porque entendemos que o município de Bonito precisa adotar medidas imediatas para conter os atropelamentos de fauna nas principais rodovias. É preciso entender que esta alta mortandade de animais caminha na contramão de uma cidade referência no ecoturismo nacional e internacional“.

Angela revela que o projeto tem importância estratégica e de alto impacto.

“De repente, descobrimos que não basta ‘apenas’ criar unidades de conservação e garantir sua conectividade, pois nossos animais têm sido submetidos a uma verdadeira carnicina nas estradas brasileiras. Infelizmente, a gravidade dos atropelamentos de fauna para a biodiversidade – embora 'A Última Floresta', filme de Luiz Bolognesi sobre o povo yanomami, tem roteiro original do xamã Davi Kopenawa razoavelmente bem documentado pela ciência -, ainda é ignorado pela sociedade”.

“Unir esforços com o máximo de setores é a única forma de atingir um público cada vez maior e mudar essa realidade. É isso que esta iniciativa significa”.

Prefeitura de Bonito adere ao projeto

Em 22 de fevereiro, representantes da Rede Pro-UC, do Instituto Raquel Machado, Ampara Silvestre, Instituto SOS Pantanal, Via Fauna e Fundação Neotrópica do Brasil – se reuniram com o prefeito de Bonito, que se comprometeu com a instalação de duas passagens de fauna, que serão denidas pela equipe que fez o levantamento dos pontos.

“Além do plano de mitigação, foram discutidas ações de remanejo de carcaça e campanhas preventivas envolvendo moradores, empresas e demais setores que se interessem pela causa”, conta Raquel.

Em seguida, serão abordadas as questões sobre o cercamento em combinação com pontes, drenagens uviais e passagens de gado e a redução de velocidade em pontos estratégicos.

Parceiros em todas as frentes


O Instituto SOS Pantanal, parceiro do projeto, assumiu a construção de mais duas estruturas de passagens de fauna. Então, já são quatro!

Com a chegada dessa organização, outras se juntaram ao projeto como o ICAS – Instituto de Conservação de Animais Silvestres (liderado pelo biólogo Arnaud Desbiez), o Instituto Homem Pantaneiro (liderado pelo incansável Coronel Rabelo), e a INCAB – Iniciativa Nacional de Conservação da Anta Brasileira (liderado pela especialista em antas, Patrícia Médici), que já trabalham juntas para a redução de colisões com animais na BR-262 e outras rodovias do Mato Grosso do Sul.

“Com isso, pela primeira vez em nosso país, temos uma ação coordenada sendo estabelecida, com instituições fortes e atuantes, olhando e buscando soluções concomitantes em algumas das principais estradas da morte do Mato Grosso do Sul”, ressalta Raquel.

Em nível local, o grupo quer estabelecer parcerias com o setor empresarial de Bonito, especialmente do turismo, como hotéis, restaurantes, atrativos particulares e guias de turismo. Além, é claro, do setor governamental, por meio da Prefeitura, Secretarias de Meio Ambiente e de Turismo, Ministério Público Estadual e outros.

“Queremos que a cidade abrace esse projeto! Acreditamos fortemente que a sociedade civil pode trazer grandes mudanças para esta triste realidade da mortandade de animais nas rodovias. O primeiro passo já foi dado, estamos nos unindo, criando um time de prossionais multidisciplinares para abordar este problema grave”, conta.

O Mato Grosso do Sul é um estado reconhecido pela sua beleza natural e ecoturismo, e pode ser referência na solução desse grave problema. O objetivo da nossa união é manter a fauna do nosso Estado viva!

Nem sempre morrem só animais, e eles não são culpados

Nas colisões que envolvem fauna, nem sempre há uma só vítima fatal. Em alguns casos, a tragédia pode ser maior e, além da vida animal, também custar vidas humanas.

“Além da morte dos animais, que conta somente pela perspectiva da conservação da fauna e entra nas estatísticas, devemos ressaltar a gravidade das colisões para a segurança humana“, ressalta Fernanda Abra.

A especialista selecionou alguns links de reportagens publicadas desde 2015 sobre esses acidentes – a maioria com antas – para exemplicar a situação dos animais que atravessar estradas:

o acidente mais recente envolveu um veado e um motociclista que morreu na hora, na MS-382. “Essa é a rodovia na qual o governo do Mato Grosso do Sul planeja asfaltar trecho de 50 km este ano, próximo ao Parque Nacional da Serra da Bodoquena”, conta Fernanda;
também em 2021, acidente envolvendo uma anta teve uma vítima fatal, além de quatro feridos, e o carro ficou destruído;
em 2020, outra anta foi atropelada por uma caminhonete: o motorista perdeu o controle do carro e foi parar na pista contrária, batendo de frente com um caminhão: duas pessoas morreram;
também no ano passado, três pessoas de uma mesma família morreram após carro desviar de anta e colidir com uma carreta;
em 2017, acidente envolvendo anta deixou quatro mortos em rodovia de MS.
em 2015, o acidente mais grave dos 160 que haviam ocorrido até setembro, envolveu uma anta, atropelada por um caminhão carregado de agrotóxicos, que bateu de frente numa van e explodiu: morreram oito pessoas.
Os números são chocantes. E duas das reportagens citadas acima me chamaram especialmente a atenção pela forma como comunicaram o acidente: transformaram o animal atropelado em sujeito da ação e, por isso, culpado.

Se a rodovia cruza o Pantanal, por exemplo, foi ela que invadiu o habitat dos animais silvestres que nele vivem, não eles que invadem a pista! Então, está mais do que na hora de prestar atenção à forma como se divulga esse tipo de acidente, respeitando esses animais.

Mulheres, conservacionistas, unidas, jamais serão vencidas

As instituições lideradas por Fernanda, Angela, Juliana e Raquel têm perfis diferenciados, mas seus objetivos estão na mesma direção, por isso a afinidade e o entrosamento se deram muito rápido e o projeto já avançou tanto.

Angela destaca o o condutor deste primeiro trabalho juntas: “Buscamos ampliar parcerias e cada vez mais aumentar nosso poder de atuação para estabelecer soluções denitivas para esse problema de dimensões tão gigantescas, quanto inaceitáveis”. E Raquel completa:

“Somos um grupo de mulheres brasileiras, que trabalham com conservação da natureza e proteção da fauna. Somos, antes de mais nada, apaixonadas pela biodiversidade, pelos animais e temos, cada uma a seu modo, dedicado nossas vidas à proteção dos que não têm voz.

Confiamos na nossa força de trabalho e de vontade para fazer a diferença e também na capacidade de ampliarmos parcerias e mobilizarmos mais e mais setores da sociedade para essa causa.

Como mulheres, estamos familiarizadas com desafios e, talvez por isso, sejamos incansáveis e não aceitemos um ‘não’ como resposta. isso serve para que continuemos a pensar em novas alternativas.

Entendemos que, juntas, formamos numa boa alquimia, reunindo capacidades e competências diferenciadas que se completam.

Desde o início nos apoiamos: da concepção da proposta até a implementação. Sabemos que se trata de um desafio imenso, mas acreditamos que este projeto mudará a realidade encontrada nas rodovias de Bonito, onde centenas de animais são atropelados todos os anos.

Somos um grupo de mulheres que não aceita olhar para esta tragédia e não encontrar uma solução“.

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